• Capítulo 41

     

    Bianca bocejou enquanto carregava uma caixa de documentos. Foi Juniper que notou o frequente ato da garota.

    — Com sono? – questionou a professora, virando em sua cadeira giratória em direção a sua ajudante.

    — Ah, hã, não, não – negou a loira, sem graça. – Desculpa.

    — Se não está com sono, está entediada – ria Juniper. – E eu te entendo plenamente, trabalha em um laboratório é um saco quando não se tem nada pra fazer.

    A assistente corou de vergonha, se sentindo boba por ser desvendada tão rapidamente. Ela ajeitou o cabelo loiro e o jaleco uniforme do local que trabalhava.

    Depois que voltara com Cheren para Nuvema, Bianca dedicou seus dias rotineiros a ajudar a Professora Juniper em seu laboratório, como sempre fizera. Apesar de gostar do local, se sentia incomodada em estar parada no mesmo lugar.

    — Não é por mal, professora, eu amo o laboratório, estou sempre em contato com os iniciais, com os treinadores, com as pesquisas – confessou Bianca. – Mas você não se sente estranha em ver tantos treinadores atravessarem a fronteira da cidade com a rota e a gente continuar aqui?

    — Bem, alguém tem que ficar para os novos treinadores – Juniper riu. – Eu sempre te incentivei e disse que deveria pegar um inicial e coletar insígnias. Não precisava enfrentar a liga, mas pelo menos você teria uma boa experiência.

    — Acho que o problema é mais embaixo – suspirou Bianca, sem saber como explicar. – E a Munny? Conseguiu descobrir o treinador original dele?

    — Ah, a Munna que me trouxe? – Juniper se levantou e caminhou até um pequeno santuário. Alguns Pokémon brincavam, animados. Ela focou sua atenção no elefantinho rosa que ainda estava tímido. – Depois de solto, o Pokémon perde muitas informações, já que não temos uma Pokéball para estudar. Pelo menos ele tem você agora.

    Bianca assentiu, acenando levemente para a Munna, que retribuiu com um grunhido.

    E mais um dia rotineiro se passou, para a infelicidade da garota.

    Era quase fim de tarde quando a assistente de Juniper deixou o laboratório para ir para casa. Oshawott estava no seu encalço, como um fiel companheiro que era. A lontra adorava interagir com as mais diversas coisas no caminho, se assustando com a maioria delas. Algumas vezes tentava chamar a atenção de Bianca, mas a garota parecia estar em outro planeta.

    — Hm? – a loira percebeu a preocupação de seu Pokémon. – D-Desculpa, Osha. Está tudo bem comigo, só estou pensativa. Quer ir visitar o Cheren? Parece que ele vai retornar pra estrada essa semana.

    O Pokémon aquático assentiu e disparou em direção em uma das adoráveis casas de Nuvema. Bianca riu ao perceber que seu companheiro já decorara o caminho, visto que as visitas ao treinador eram frequentes.

    A garota tocou a campainha da casa e foi recepcionada por uma mulher de meia idade, seus olhos azuis eram iguais aos de Cheren. Só o olhar intenso dela deixava Bianca tímida.

    — Boa tarde, senhora Cox – cumprimentou.

    — Olá, Bianca – sorriu a mulher. – Tudo bem? Veio ver o Cheren?

    — Estou bem – ela assentiu. – Vim vê-lo sim, ele está?

    — Está no quarto, fique à vontade.

    Bianca subiu o lance de escadas da aconchegante casa e se dirigiu a uma das portas do antes. A placa de “Não perturbe! Estou estudando” informava o quão o orgulho da família o garoto era. A loira bateu na porta com discrição e entrou quando foi respondida.

    O pequeno quarto era simples e quase seguia um padrão minimalista, com apenas três móveis principais, sendo um deles a escrivaninha onde Cheren usava um notebook. A decoração não era a das mais abundantes, mas trazia uma sensação de conforto. Os Pokémon do garoto repousam no chão.

    — Mais um dia de trabalho intenso? – perguntou o treinador, sem tirar seus olhos da telha brilhante do aparelho digital.

    — O mesmo de sempre – Bianca depositou sua bolsa em um gancho na parede e sentou-se na cama do jovem. – Tá fazendo o quê?

    — Estudando o time do Burgh – respondeu, tirando os óculos. – Eu posso até investir em um tipo voador, mas vou precisar de alguém para enfrentar o Dwebble dele.

    — Se precisa de um voador, posso te emprestar minha Tranquill, acho que vai fazer bem umas batalhas pra ela – disse Bianca. – Sei que vai ser um bom treinador para ela.

    — Seria bom – sorriu Cheren, se virando na cadeira giratória para a garota. Ela notou que o menino usava grampos de cabelo para prender as laterais do cabelo.

    — Seu cabelo cresceu um pouco – apontou a loira. – Pretende deixar crescer?

    O treinador mexeu nas pequenas mechas presas, não se incomodando com a irregularidade das pontas, o que antes seria um crime.

    — O que você acha? – perguntou o garoto.

    Tímida, Bianca sorriu:

    — Acho que qualquer coisa fica muito bom em você.

    — Sabe guardar segredo?

    Com certa discrição, Cheren pediu para que Bianca se aproximasse. A loira se levantou e foi até o treinador, que estava tirando a blusa que usava. No braço direito, estava marcada uma tatuagem tribal da linha evolutiva de Snivy que começava do ombro até perto do cotovelo, as três figuras estavam harmoniosamente combinando com curvas e folhas. Pelo plástico que a rodeava e a pele levemente avermelhada, era possível dizer que era um feito recente.

    Bianca deu um pulo para trás, surpresa. Ela olhou para o amigo, boquiaberta.

    — Q-Quando fez? C-Como? – perguntou.

    — Foi essa semana – contou, vestindo a blusa novamente. – Fiz num horário que meus pais não estavam em casa. Juntei dinheiro, um contato e decidi fazendo. O próximo passo é deixar o cabelo crescer e colocar piercings.  

    — C-Cheren... – perplexa, Bianca se sentou na cama. – I-Isso... É bem surpreendente de ouvir de você.

    — Você não tá sentindo também, Bianca? – perguntou o rapaz, enigmático. – Desde que voltamos pra Nuvema depois dos eventos com o Dream Mist e aquele cara, tá ficando sufocante ficar parado. Somos jovens, mas já fiquei muito tempo parado.

    Bianca mordeu os lábios e riu aliviada.

    — Pensei que fosse só eu que tivesse sentido – revelou ela. – No aniversário da Hilda, eu fiquei admirada com ela contando sobre as aventuras e tudo que ela estava vendo – ela se dirigiu até a janela e encarou o horizonte onde a calma Route 1 se despedia do dia com um belo pôr do sol. – Eu senti vontade de estender a mão para alcançá-la, mas ela parecia tão longe.

    Cheren olhava para a garota. Ambos compartilhavam o triste martírio de pais controladores, então era de se imaginar que eles adorariam bater asas para cada vez mais longe.

    — Tem também o fato de as pessoas estarem libertando seus Pokémon. Ficamos quase dois meses parados, imagina quantos Pokémon estão perdidos por aí enquanto a Team Plasma continua imune – disse o jovem.

    — Às vezes eu queria ter o espírito livre e selvagem do Benga – riu a loira.

    Cheren fez uma careta.

    — Nem me lembre daquele cara. Ele era um Chatot de tão tagarela – riu ele. – Mas devo concordar com você, ele tinha um ar contagiante. Igual o Hilbert.

    — Deve ser mania de treinador jovem – riu Bianca. – Eles só vivem e nem perdem tempo pensando muito.

    — Provavelmente deve ser pela falta de neurônios suficientes.

    — Mas você sabe... – disse a loira, como se já soubesse que Cheren fosse completar. – Nós dois temos um agravante.

    — Infelizmente, nossos pais...

    Bianca assentiu e deu uma risada nervosa.

    — E se a gente fugir igual Romeu e Julieta?

    — Você sabe que o final dos dois foi trágico, né?

    — Não precisamos imitar a história – disse Bianca, virando para o garoto com as mãos para trás. – Podemos nos inspirar e mudar o desfecho.

    — Seria um digno conto de fadas – concluiu Cheren.

    Depois de uma longa conversa, não demorou muito para que a noite chegasse, o que fez Bianca se apressar para ir embora. A mãe de Cheren insistiu para que ela jantasse com eles, mas a garota disse que não poderia. Coisa de pai, ela explicou.

    E assim, ela rumou para casa.

     


    Juniper estava focada em seu notebook. Não usava mais seu jaleco de trabalho pois se tratava de uma situação informal. Na tela do aparelho portátil, o rosto de Fennel era transmitido. A cientista usava um coque frouxo, brincando com um lápis na boca.

    — Eu sei que você não quer falar sobre trabalho – começou Fennel, depositando o objeto de grafite na mesa. – Mas eu estudei a amostra do Dream Mist que você me enviou naquele frasco.

    Aurea se espreguiçou. Adorava muito a profissão que havia escolhido, mas sempre se admirava em ver como Fennel sempre a superava nisso. Era como se as baterias da cientista não se esgotassem.

    — Alguma coisa interessante? Sei que não foi uma amostra grande, Cheren e Bianca perderam muito no caminho.

    — Foi o suficiente pra eu conseguir analisar as imagens – Fennel colocou seus óculos. – Tem algumas imagens interessantes – usando as facilidades que a tecnologia trazia, a cientista compartilhou uma tela de um aplicativo de imagens. – Não é novidade pra ninguém que o Dream Mist é feito das partículas dos sonhos que as Munnas e Musharnas devoram.

    Fennel começou a exibir fotos tiradas das amostras, até mudar para imagens que aumentavam o zoom delas. Diferente do que Juniper imaginou ver, as figuras mostradas nas partículas eram de apenas uma pessoa que se repetiam diversas vezes.

    — A feição dessa pessoa é bizarra, mas não entendo o motivo disso ser interessante – comentou Juniper, aproximando o rosto para enxergar melhor. Era possível ver que a figura, um homem, usava roupas de alguma espécie de ordem religiosa, mas infelizmente seu rosto estava sombreado.

    — As imagens ficam interessantes com o áudio que eu consegui captar – explicou Fennel, abrindo um outro arquivo. – Não dá pra ouvir muita coisa conexa, mas tem palavras interessantes.

    A cientista apertou o play e um áudio com interferências começou a tocar.

    “Pok... L....tar.... W.... s.......hz..... liberda... t....... pokémon........ h”

    — Meu Arceus, devia ter avisado que esse áudio era aterrorizante - Aurea coçou os braços, sentindo os pelinhos deles se arrepiarem. A voz era distorcida, deixando a dúvida se o tom dela era mesmo assim.

    — Desculpa, querida – riu Fennel, rapidamente. – Eu esqueci que você detesta essas coisas.

    — Ainda tenho pesadelos com aquele filme do Banette Assassino – Juniper tremeu-se toda. - Como é que eu fui deixar você escolher o filme naquele dia?

    A cientista continuou a rir, não se preocupando em desviar um pouco do assunto principal.

    — Da próxima vez, eu deixo você escolher suas comédias românticas – disse ela, gentil.

    — Obrigado – a professora ajeitou-se em sua cadeira e retomou o assunto: - Eu consegui ouvir apenas duas palavras: Liberdade e Pokémon.

    — Esse é meu ponto – apontou Fennel. – Alguém manipulou o Dream Mist. Esse som bizarro não é proposital, ele serve pra entrar no seu subconsciente, como uma espécie de propaganda. E analisando o que foi dito, tem justamente a ver com a liberdade dos Pokémon. Não chega a ser uma coincidência com os episódios recentes?

    — Bianca me disse que a Team Plasma levou o Dream Mist naquele dia. Inclusive, o mesmo que roubou, foi o mesmo que espalhou.

    — Sim, eram eles. Mas você não estranha que eles possam ser os mesmos que usam as redes sociais para postarem que resgatam Pokémon? – perguntou a cientista.

    — Podemos garantir que são as mesmas pessoas? – Juniper respondeu com uma pergunta. – Digo, as evidências são claras pra gente. Discursos sobre libertação, o acontecimento no Dreamyard, em Accumula. Mas você tem...provas?

    — A prova está na nossa frente, Aurea – respondeu Fennel, um pouco exaltada.

    — Fe, Fe, eu sei, eu acredito em você e já acompanhei sua linha de raciocínio – a professora tentou acalmar a companheira. – Mas perceba como eles conseguem esconder o lado perverso deles muito bem. Mas por outro lado, eles conseguem se mostrar como pessoas solidárias que só querem ajudar e alertar sobre os sentimentos dos Pokémon.

    Fennel continuou reflexiva, presa em vários pensamentos.

    — E as letras do áudio? Acha que eram palavras? – ela retornou para o assunto anterior. – Eu anotei o que deu pra ouvir. Ele começa dizendo Pokémon, depois, ele fala ‘L’ e ‘tar’, então eu presumo que ele disse ‘Libertar’. Depois temos uma sequência de WSHZ. Aí ele diz ‘Liberdade’, depois tem a letra T. Por fim, temos ‘Pokémon’ e fechamos com H.

    — Resumindo – Aurea pegou a caneta em seu coque e seus longos cabelos se soltaram. Ela começou a escrever: - Juntando tudo, temos WSHZTH. Isso é um código? Estamos lidando com um mistério?

    — Talvez possa ser um código, ou pode ser palavras que não conseguimos ouvir.

    — Me sinto dando voltas – a professora colocou a mão na cabeça. – De toda forma, vou continuar investigando e tentar descobrir.

    — Conto com a sua ajuda – sorriu Fennel, tirando os óculos, encerrando a formalidade da reunião. – Mudando de assunto, dona Aurea, posso saber o que tá fazendo usando meu suéter favorito? – perguntou a cientista, apoiando o cotovelo sobre a mesa e a cabeça sobre as mãos, provocativa.

    Juniper corou, olhando para a própria vestimenta.

    — Você esqueceu aqui, então eu resolvi usar – respondeu a professora, dando de ombros. – Além do mais, ela tem seu cheirinho.

    Foi a vez da cientista corar, usando as mechas de seu cabelo escuro para esconder um pouco do rosto. Aurea riu da timidez da mulher.

    — Podemos esquecer o trabalho agora? – questionou. – Vamos falar sobre o próximo filme que vamos assistir?

    — Mas é claro, querida – riu Fennel.

     

    Bianca acordou no dia seguinte com os grunhidos de seu Oshawott. A lontra de água subiu na cama por dentro das cobertas da garota até alcançar seu rosto, onde usou sua bochecha para esfregar na da menina. A loira riu, abraçando o Pokémon, com carinho.

    — Bom dia, Osha – cumprimentou. – Dormiu bem?

    O inicial assentiu e foi para o chão, correndo na frente para fora do quarto, não antes de usar suas mãozinhas para indicar que a menina o seguisse. Bianca riu, sabendo que ele estava se referindo ao café da manhã.

    — Já vou, já vou.

    A adolescente desceu as escadas e logo de cara já percebeu que sua manhã não seria tão pacífica. Após sua higiene matinal, ela logo seguiu o Pokémon de água até a cozinha, onde sua mãe estava calada, como sempre, focada em seus afazeres domésticos, enquanto seu pai, com sua aparência adiposa, estava sentado folgado na cadeira da mesa de jantar.

    A expressão do homem não era das mais simpáticas, e piorou quando viu a garota loira.

    — Estão falando por aí que Cheren fez uma tatuagem – o chefe da família iniciou a conversa, sem se importar com a formalidades de cumprimentar alguém.

    — C-Cheren nunca faria essas coisas – disse Bianca, na defensiva, sentando-se.

    — A vizinha contou que o amigo do filho dela o viu entrando em um desses lugares de tatuagem – disse o homem, tomando o café.

    — Pelo que eu sei, tem uma livraria do lado – a loira continuou a argumentar, se servindo de leite. – Ele sempre passa para comprar livros. É muito mais a cara dele – riu a menina, tomando cuidado com as palavras.

    — O que eu sei é que você sempre andou com ele – o homem encarou sua filha. – Não quero nem imaginar você fazendo essas coisas.

    Bianca sentiu sua nuca suar, o olhar penetrante de seu pai sempre a fazia entrar em desespero. Ela nada respondeu, mas isso não parecia o suficiente para aquela figura autoritária.

    — Qual o motivo do silêncio, Bianca Kirk? – o homem largou sua quase vazia xícara de café. – Não vai me dizer que eu li a sua mente e que tudo que eu disse é verdade.

    — C-Claro que não! – Bianca se exaltou e sabia que isso acabou por ser uma péssima decisão.

    — Está gaguejando! – era como uma tortura psicóloga. O homem se levantou, fazendo certo barulho com as mãos e os pés.

    — T-Thomas... – a voz da mãe de Bianca saiu como um sopro. Apesar de preocupada, ela mal conseguia se impor contra o marido.

    Thomas ignorou até mesmo sua sanidade e caminhou até a filha. A pequena mesa redonda quase tombou quando ele a levantou ao puxá-la pelo pulso com força. A loira se assustou e tentou se puxar para se livrar. Osha grunhiu, tentando ajudar como podia, usando sua humilde concha para bater na canela do pai de Bianca.

    — M-Me solta! – implorou a adolescente.

    — SE VOCÊ TIVER UMA TATUAGEM, EU VOU ARRANCAR SUA PELE FORA! – Thomas a puxou pra perto.

    Entre os tapas, ele levantou a regata do pijama da filha pela lateral. Bianca, com seu braço livre, segurou a peça para que suas partes intimas fossem preservadas, ainda que em vão, já que a humilhação já fora o suficiente. A esposa de Thomas agiu e puxou o homem para trás. A loira cambaleou para trás e se abraçou, chorando de vergonha.

    — B-Bianca... – a mãe olhou para a filha, preocupada. Até mesmo o pai colocou a mão no rosto, levemente envergonhado pela cena que tinha feito.

    A menina não disse mais nada, engoliu o choro e correu para seu quarto. Pelo menos no laboratório da Professora Juniper poderia colocar a cabeça em ordem, além de ter conforto o suficiente para desabar.

    No seu local de trabalho, ela entrou com sua rotineira roupa, sempre com o Oshawott em seu encalço, como um verdadeiro protetor leal. Juniper veio cumprimentá-la, como o de sempre, mas percebeu logo que a expressão de Bianca denunciava que ela não continuava a mesma de sempre. Os olhos esmeraldas da menina brilhavam, um brilho que não era refletido pro seu rosto, era o brilho de um olhar que estava cheio de lágrimas.

    Aurea não se deu o trabalho de perguntar e apenas abraçou a garota, que retribuiu tão rápido que fez a professora cambalear levemente para trás.

    Pela primeira vez, em tempos, o dia no laboratório seria diferente.

    Um pouco mais tarde, Juniper se aproximou da assistente e lhe ofereceu uma xícara de chá. A menina aceitou, mais calma, com os ombros encolhidos e a expressão vazia.

    — Razz Berry é bom pra acalmar – disse a professora, com a voz mansa, se referindo ao chá. – Eu tomo bastante quando estou num dia cheio. Ajuda a pôr a cabeça no lugar.

    Bianca assentiu e tomou um gole, sentindo o líquido doce descer por sua garganta devagar. Aquilo lhe deu um certo alívio depois de tanta coisa presa.

    — Bianca, você tem certeza de que eu não vá até lá para conversar? Não dá pra deixar isso se repetir – perguntou a professora. – Pode ser perigoso até mesmo para sua mãe.

    — Nem mesmo se Arceus voltar e dizer a verdade na cara dele, ele irá acreditar – respondeu Bianca, deprimida. – Eu agradeço a sua ajuda, professora. Não sei mais o que fazer, foi muito humilhante.

    — Fugir é uma palavra forte – argumentou Juniper. – Mas é hora de você se livrar das asas dele na base da força. Se aceita a sugestão, deveria fazer seu próprio caminho para longe dessa cidade. Conhecer outros lugares e conhecer a si mesmo.

    — Acho que não tô com cabeça pra pensar nisso agora – Bianca girou levemente na cadeira.

    — Tente descansar hoje. Meu laboratório sempre será seu segundo lar – Aurea acariciou o cabelo da menina e se levantou.

    Não demorou muito para que mais uma pessoa chegasse ao laboratório. O sino em formato de Chimecho emitiu um som melódico e Bianca olhou para a tela do computador posicionado na mesa que pertencia a Juniper. O jovem estava sem seus óculos tradicionais, mas o rosto era reconhecível.

    — É o Cheren – informou a assistente, quase entrando em desespero. – N-Não deixe ele saber que eu tô aqui. Ele não pode me ver assim.

    Juniper colocou as mãos no ombro da jovem.

    — C-Calma, Bi. Tem certeza que quer esconder isso do Cheren? Sabe que ele sempre te apoiaria.

    — E-Eu acho que o Cheren tá com muito mais problemas – respondeu a assistente. – Um problema a mais vindo de mim não vai fazer bem pra ele.

    A professora suspirou, um pouco contrariada. Ela ajeitou seu jaleco e deixou a pequena área reservada, saindo para a sala principal onde Cheren aguardava, observando alguns papéis aleatórios sobre a mesa.

    — Bom dia, Cheren – cumprimentou a mulher.

    — Bom dia, professora Juniper – respondeu o treinador.

    — Veio cedo – riu ela, se dirigindo até uma escrivaninha, onde puxou uma das gavetas. – Mandei a mensagem ontem à noite. Mas não estou surpresa, você sempre foi dedicado – ela retirou o famoso aparelho cobiçado por treinadores do mundo inteiro: a Pokédex. – Está consertada, só tente deixar longe da boca do seu Bagon da próxima vez – a professora riu.

    O treinador riu como resposta, levemente envergonhado pelo acidente, mas agradeceu o conserto do objeto.

    — Agora estou pronto para voltar para a estrada – contou Cheren. – O próximo ginásio é do Burgh.

    — O que está achando da jornada? – perguntou a professora, interessada na evolução de seus pupilos como se fossem seus próprios filhos. – Eu notei que você mudou muito, principalmente nesse tempo em que esteve esperando o conserto.

    — Estou me sentindo renovado, professora – contou o rapaz. Bianca se ajeitou para ouvir melhor. – Apesar de continuar com o objetivo de querer alcançar a Liga, sinto que estou encontrando a cada dia uma versão melhor de mim mesmo.

    — Você realmente mudo, dá pra ver no seu rosto e no seu jeito de falar – Juniper cruzou os braços. – Sabia que isso é um processo de amadurecimento? Seu cabelo cresceu, as pontas estão irregulares, o Cheren de antes nem sonharia com isso.

    — O Cheren de antes vivia sobre um lema: “Nunca menos que o perfeito. Nada além do perfeito” – revelou o treinador. – Mas eu sempre achei que aquele era eu disfarçando que estava me livrando das amarras do meus pais.

    — Estou orgulhosa de você – sorriu.

    Cheren ajeitou a mecha de cabelo que insistia em cair no olho. Ele suspirou rapidamente, sua expressão mudou para de preocupação.

    — Eu estou evoluindo, estou me sentindo livre – disse. – E queria que Bianca tivesse essa mesma experiência.

    Bianca fez uma expressão surpresa, tão quanto a de Juniper.

    — Sabe se ela veio trabalhar hoje? Sei que vim meio cedo, mas imaginei que ela já tivesse chegado.

    Aurea reprimiu os lábios, poderia contar, mas preferiu manter a promessa com a sua assistente.

    — Ah, ainda não chegou – respondeu. – Não cobro horários dela, mas ela sempre foi muito pontual. Diz que adora o laboratório, que é uma fuga da realidade dela.

    — Eu... Entendo a dor dela. Só queria ajudar ela, queria vê-la voando um pouco.

    A assistente se levantou, não emitindo som, ainda que seu corpo quisesse gritar. Suas bochechas ruborizaram e ela se sentiu idiota em esconder suas dores enquanto Cheren estava há menos de um metro, preocupado com ela.

    — Não sabia que se preocupava tanto com ela – Juniper resolveu dar corda, com um sorriso travesso.

    — Somos amigos de infância, é natural que isso ocorra – explicou. – Moramos em casas próximas, então ela sempre se esforçava para entender a matéria da escola quando eu explicava. Eu sou meio fechado, então é difícil transparecer o que eu sinto, mas ela sempre dava um jeito de ler minha mente e expor isso para mim. Eu sou péssimo com convites, mas ela seria a melhor companhia do mundo se viesse comigo.

    — Tenho certeza de que ela aceitaria – Juniper suspirou.

    Bianca se atreveu a se revelar, mas seus pés pareciam presos. Juniper virou a cabeça levemente para trás, esperando alguma reação, mas deu outro longo suspiro quando a menina não reagiu.

    — I-Irei falar com ela hoje, só não conta pra ela sobre nossa conversa – disse o treinador, envergonhado. – De toda forma, obrigado pela Pokédex, professora. Sempre bom contar com a sua ajuda.

    — Estou as ordens sempre que precisar – a mulher sorriu nervosamente, acenando levemente.

    Com a cabeça cheia de perguntas, Cheren deixou o laboratório. Bianca encostou na parede, nervosa. Aurea apareceu.

    — E-Eu não estava esperando isso – Bianca olhou com os olhos arregalados. – O-O que eu faço?

    — O que você faz? Não tá óbvio? – brincou Juniper. – Bianca, a oportunidade é uma mulher com cabelo na frente e careca atrás, quando ela passa, agarre-a pela frente, porque quando ela te ultrapassa, fica impossível de pegar.

    — M-Mas... Meu pai...

    Juniper colocou as mãos no ombro da menina.

    — Lembra da nossa conversa de ontem? Se lembra da sensação de sair por aquela rota como todo treinador sente? É hora disso acontecer. É hora de voar!

    Bianca estufou o peito, cheia de determinação, ainda que suas mãos estivessem trêmulas.

    Naquela noite, Julieta se aproximou da janela de Romeu.

    Não tão romântico quanto, ela usou seu Tranquill para chamar a atenção de Cheren em seu quarto. O garoto se assustou, mas logo reconheceu o pássaro, logo indo até a janela.

    — B-Bianca – surpreso, ele percebeu que a menina usava seu delicado colete alaranjado com um vestido branco. Mas a bolsa verde chamou mais a atenção. – O-Onde está indo?

    — ... Eu aceito ir com você – respondeu a loira, olhando para o amigo.

    — E-Espera, estava no laboratório?! – corado, o treinador agarrou o peitoril da janela, envergonhado por ser pego em um momento de fraqueza.

    — D-Desculpa, eu estava... perdida de manhã – ajeitando o cabelo, a loira sorriu levemente. – Eu não estou mais, eu agarrei a oportunidade antes que ela passasse por mim.

    — Tá querendo sair agora? – Cheren olhou para os lados da rua. Já passava das dez da noite e, como esperado de uma cidade pequena, a maioria das pessoas dormia.

    — O que aconteceu com o Cheren que tinha matado o Cheren que planejava cada passo? – questionou a menina. – Você está muito nervoso, a aventura nos espera.

    — Você tá falando igual o Hilbert e o Benga – disse o treinador, olhando para dentro do próprio quarto, com medo de acordar os pais e ser descoberto.

    — Você tá louquinho pra sair – sorriu Bianca. – Você mesmo disse que eu sou capaz de ler sua mente de alguma forma...

    Cheren corou de vergonha. Agitado, ele agarrou sua mochila já pronta e trocou rapidamente de roupa enquanto Bianca esperava com os ombros encolhidos.

    Logo, ele apareceu e desceu pela janela com a ajuda de Phienas, seu Servine. Bianca sorriu, se animando. O garoto se recompôs, ajeitando a mochila nas costas.

    — Então... Somos oficialmente Romeu e Julieta? – questionou ele.

    — Mas você disse que o final era trágico.

    — Eu não tô falando sobre o final, tô falando disso aqui...

    Cheren segurou as mãos da garota, que pode sentir as mãos frias e úmidas pelo nervosismo. Ágil, sem muita habilidade, mas com muito sentimento e desejo, ele beijou Bianca, unindo seus lábios num ato apaixonado.

    — Vamos voar, Julieta? – perguntou Cheren, com um sorriso. Suas bochechas estavam ruborizadas e as orelhas queimavam

    Surpresa, a loira ficou sem reação, mas não teve tempo de responder. Cheren agarrou seu pulso e sorriu. Romeu e Julieta correram noite adentro lutando pelos seus próprios destinos. 




    NOTAS DA AUTORA

    PERDÃO PELA DEMORA DE QUASE 2 MESES <3 

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