• Capítulo 24



    O barulho do trânsito, pessoas falando e se aglomerando, a fumaça, os enormes prédios e toda aquela sensação de se sentir pequeno e inexistente. Hilda quase deu um grito de alegria quando eles pisaram em Castelia City, sua terra natal. Após pegarem um táxi em Skyarrow Bridge, eles chegaram na grande metrópole ao pôr do sol, então as luzes dos postes e dos prédios começavam a acender, indicando o início da vida noturna.

    Os carros já pegavam seus caminhos de casa ou para algum restaurante ou bar. Os mais jovens e alternativos começavam a se encontrar nas esquinas para fazerem suas tradições noturnas, enquanto os trabalhados das construções civis guardavam seus equipamentos prontos para descansarem.

    O trio não pensou muito antes de se dirigirem para o Centro Pokémon para recuperarem seus Pokémon, comprar as Pokéball para Lucio, o Palpitoad e Mushi, o novo Venipede de Hilbert, e logo em seguida, partirem para o prédio em que a família de Hilda vivia. Eles não haviam avisado de sua chegada, então se prepararam para dar-lhes uma grata surpresa. Quando a garota entrou no elevador, sentiu um frio na barriga.

    — Ah, que emoção. Espero que eles estejam em casa – sorriu ela, conversando com os amigos.

    — Será que a tia Maisy já tá preparando o jantar? – refletiu Hilbert. – Nunca mais esqueci o gosto daquela comida.

    — Tenho quase certeza que sim – riu a jovem.

    — Vocês estão me deixando ansioso também – Jackson entrou na conversa, observando todo o luxo daquele lugar.

    Ao chegarem no andar destino, Hilda correu até o apartamento 17 e tocou a campainha, tentando conter a empolgação. Como deveria agir? Diria um “Surpresa!”? Abraçaria a pessoa? Ou só daria um ‘oi’ rotineiro? Eram tantas possibilidades que ela só parou de pensar quando ouviu passos pesados e largos caminharem até a porta. Provavelmente seria seu tio Ben que atenderia a porta.

    A maçaneta girou e a luz do apartamento inundou o corredor. A garota sorriu:

    — Surpre-

    Sua fala foi interrompida quando a figura que a recebeu não era ninguém que ela conhecia. Estava no apartamento certo? O homem franziu a testa e aparentava ter meia idade a julgar pelos traços fortes em seu rosto. Os cabelos eram enrolados e secos, porém bem penteados e castanhos, suas grossas sobrancelhas davam um ar de seriedade para ele. Seu físico não era dos melhores, porém, suas roupas sociais que variavam em preto e branco disfarçavam um pouco do sobrepeso. Ele demorou um tempo até reconhecer a figura da garota a sua frente.

    — Oh – sorriu, com os dentes brancos. – Havana, acho que é para você.

    Hilda quase gelou ao ouvir aquele nome. Da cozinha, a mulher de quarenta anos surgiu, elegante e sexy como sempre, apesar de estar com um vestido simples e pantufas. Seus cabelos louros estavam penteados para trás segurados por uma tiara preta. Seu lindo sorriso preencheu seu rosto iluminado pelas esmeraldas verdes em seus olhos.

    — Ah, meu Arceus – a mais velha abraçou sua filha como se fizesse anos que não visse ela.

    — Mamãe! – Hilda exclamou de volta, retribuindo aquele abraço como se fosse o último.

    — Minha nossa, como você está linda! – a mãe analisou sua criança como se analisasse um pedaço de ouro. – Como você está? Entre, entre. Está quase na hora do jantar, estou preparando algo com a sua tia – a mulher a guiou para dentro antes do homem que atendera a porta chamar sua atenção.

    — Hã? Havana, ela não está sozinha – disse, virando-se para Hilbert e Jackson que permaneciam imóveis e completamente tímidos com a situação.

    — Hm? – a loira virou-se. – Oh, você trouxe amigos! – ela sorriu. – Venham vocês dois, entrem, entrem – animada com a casa cheia e o retorno de Hilda, não tardou em correr até a cozinha: - Maisy! A Hilda está de volta! E ela trouxe amigos. Aumente o número de pratos na mesa!

    A tia da garota quase assustou ao ver que sua casa se enchia cada vez mais, mas adorava pequenas festas. Ela sorriu e abraçou sua sobrinha:

    — Bem-vinda de volta, querida – animou Maisy. A conversa não demorou muito tempo para ganhar forma. Hilda já sentiu o clima da casa novamente e as três começaram a jogar diversos assuntos fora, extremamente agitadas.

    Enquanto isso, o homem anterior ofereceu passagem para que os dois companheiros da garota entrassem, recepcionando-os com um sorriso grosso.

    — São bem animadas – comentou ele, fechando a porta.

    — Pois é – respondeu o treinador, deixando sua bolsa no sofá.

    Jack então olhou novamente para o mais velho e o reconheceu.

    — Senhor Clay? – ele sorriu. – Há quanto tempo. Sou eu, Jackson, o sobrinho de Lenora.

    — Meu Arceus, menino. Como você cresceu! – Clay cumprimentou o rapaz várias vezes com apertos de mão. – Encontrei sua tia esses dias, ela me falou que você se formou. Meus parabéns.

    — Muito obrigado, senhor. Me inspiro muito no seu trabalho – Jackson riu, um tanto envergonhado.

    — Ah, eu sou um Stoutland velho, quero ver as novas gerações revolucionando a área – o riso era extremamente alto, mas motivador. – Mas por favor, fiquem à vontade. Logo a conversa vai terminar e elas vão vir pra recepcionar vocês direito. 

    Logo, todos os presentes foram devidamente recebidos. Hilda apresentou Jackson para sua família e Hilbert para sua mãe, que achou curiosa a figura do menino que incentivara sua filha a sair em jornada por Unova. Prestativos, os meninos ajudaram com a preparação do jantar e a arrumar a mesa. A garota ainda tinha dúvidas do motivo da presença de um líder de ginásio em sua casa.

    — E o tio Ben e o Oliver? – questionou a morena quando finalmente se deu conta. Com a casa cheia, era quase difícil notar que não estava presente. Maisy tirou o Magikarp assado do forno.

    — Oliver começou a fazer aulas de escoteiro, seu tio foi buscar ele – informou a mulher. – Depois que você saiu em jornada, ele disse que queria fazer alguma coisa legal, nas palavras dele – disse, rindo. – Aí Ben sugeriu dele entrar nos escoteiros e é claro que eu concordei. Sou da cidade grande, mas quero que Oliver tenha mais contato com a natureza assim como eu tive.

    — Ah, que incrível – sorriu a jovem.

    — Na verdade, a Maisy tá querendo encaminhar o filho dela pelos mesmos passos que ela. Lá no futuro, ela vai voltar para Ária e fará de Oliver um salva-vidas – riu Havana. – E assim ele vai seguir seus passos e passar isso de geração em geração.

    — Droga, você descobriu meus planos – respondeu a irmã, rindo.

    A atenção foi desviada quando Ben, usando suas rotineiras roupas sociais e o pequeno Oliver, usando um uniforme de escoteiro entraram no ambiente. O homem assustou-se ao ver tanta gente e sua casa e riu, enquanto seu filho quase gritou ao ver sua prima.

    — Prima Hilda! Hilbert! – ele correu para perto dos jovens. – Vocês voltaram!

    — Oi Oliver, oi tio Ben – sorriu a morena. – Há quanto tempo, hein?

    — Como foi? Hilbert, você pegou todas as insígnias já?! – o mais novo parecia extremamente animado e agitado.

    — Oliver, antes de você lotar os coitados de perguntas, vai tomar um banho que o jantar está quase pronto – ordenou a mãe do pequeno escoteiro.

    — Sim, mamãe! – e ele correu, tirando algumas risadas dos presentes.

    A mesa daquele apartamento nunca tinha visto tanta gente junta prontas para devorar um delicioso jantar com Magikarp e Ducklett assados, saladas e massas. Vinho para os adultos e sucos para os mais novos. Hilda disfarçava um olhar ou outro para Clay, ele parecia extremamente sociável com Havana, que sempre servia algo para ele. Fazia muito tempo que a menina não via sua mãe sorrir daquele jeito, era um sorriso diferente com quem estava com a família e amigos, o mesmo tipo de sorriso que ela dava ao ver Hilbert.

    Entre assuntos que iam de coisas banais até a quantidade de Pokémon que Hilbert e Hilda tinham pegado ou como foram as conquistas das insígnias, o jantar se estendeu até a sala, onde Havana e Clay ajudavam com a louça e os outros aproveitavam o desjejum nos sofás confortáveis. Oliver se admirava com os novos companheiros de equipe dos jovens recém-chegados.

    — Quando acha que devemos contar? – questionou Clay, tentando ser discreto.

    — Eu não sei, achei que ela demoraria mais – respondeu a loira. – Mas não se preocupe, vai dar tudo certo.

    — Sabe que eu não quero parecer invasivo. Respeitarei o tempo e espaço que precisarem – disse o líder de ginásio, recebendo um sorriso de sua companheira.

    — Você é um anjo.

    A dupla então se dirigiu até a sala, onde Hilda se virou para eles para puxar conversa.

    — Está há muito tempo na cidade, mamãe? Veio visitar a tia Maisy ou tem algum evento por aqui? – perguntou a menina, interessada.

    — Ah, que bom que tocou no assunto! – Havana juntou as mãos, animada, sentando ao lado da filha, grudadinha. – Estou aqui para planejar sua festa de quinze anos!

    Hilbert e Jackson tiveram suas atenções roubadas por aquela informação extremamente valiosa. Hilda encolheu suas pernas e escondeu um pouco do rosto, bem envergonhada. Não era um problema, mas ela não estava acostumada a compartilhar informações pessoais. Muito menos ser o centro da atenção daquele jeito.

    — Mas não vai dar tempo... E eu estou em jornada – respondeu a menina, tentando procurar justificativas.

    — Sempre dá tempo, estou planejando tudo há tanto tempo – riu a mãe. – Além do mais, tenho certeza que seus amigos podem esperar um pouquinho. Certo, meninos? – ela deu uma leve piscada. – Estão mais do que convidados.

    — Bem, se envolve comida, acho que não tem problema – riu o treinador de boné. – Quando é o aniversário?

    — Dia 10 de Março – informou a loira.

    — Daqui algumas semanas – observou Maisy.

    — E se eu não tivesse chegado hoje? E se já tivesse passado por aqui? – Hilda parecia nervosa. Era sempre assim, festas a deixavam ansiosa, principalmente as de aniversário, ela nunca sabia como agir nessas datas. Sua única função era receber presentes, agradecer e ficar com cara de boba na hora dos “parabéns”.

    — Eu provavelmente te caçaria em cada canto de Unova para te achar – riu Havana, abraçando-a. – Não se preocupe, meu amor, vai ser um dia incrível.

    Apesar de um pouco desconfortável, ela não pode deixar de achar interessante a ideia e ficar ansiosa, resolveu então, puxar mais a corda para o assunto.

    — E o que já planejou?

    — Senta que lá vem história – riu Maisy, servindo uma xícara de café para o marido, que riu igualmente.

    — Ok, vamos lá – Havana refletiu um pouco. – Primeiramente, eu aluguei o salão Diamante Auria da rua R. e preparei um buffet para 300 convidados.

    — Trezentos convidados? De onde tirou tanta gente? – a mais nova olhou assustada para a matriarca.

    — Convidei seus amigos de escola, principalmente Cheren e Bianca. Parentes do seu tio Ben, pessoas da mídia, seus avós. Posso te jurar que você já teve contato com todos, nem que se for por vista – informou a mais velha, ajeitando os longos cabelos de sua filha. – Mas enfim, vou ligar para o coreógrafo, para o estilista e marcar cabeleireiro. Tenho certeza que a Leila vai adorar atender a gente. Posso marcar pra você também, Maisy?

    — Você me puxaria mesmo se eu não quisesse – riu a irmã.

    — A senhorita sempre fugiu desse tipo do coisa – retrucou a Foley mais velha. – Se não fosse por mim, seus cabelos e pele seria uma bagunça e você nunca teria se casado com o filho do dono do Paradise Resort.

    — Pois saiba que eu conquistei esse cabeça oca aqui com meu próprio mérito – riu a de cabelos negros, mostrando a língua.

    — Por que do nada as ofensas vieram contra mim? – contestou Benjamin.

    — Acostume-se – Hilbert olhou para o homem. – Se vocês o quanto de vocês a Hilda me xingou nessa jornada, estariam pasmos.

    Hilda levantou-se e pôs-se em pé em frente ao menino, quase soltando labaredas do corpo de tanta irritação.

    — Conta pra eles nas encrencas que você me metia.

    O garoto recuou assustado.

    — Alguém pode proteger minha orelha, por favor?

     

    A conversa sobre o futuro evento acontecia na sala com muita empolgação e grandes planos. Clay aproveitou uma deixa para ir até a varanda tomar um ar, debruçou-se no parapeito e passou a observar os carros nas ruas com suas luzes amareladas, vermelhas e brancas piscando ou simplesmente iluminando o asfalto. Apesar de viver em cidade grande também, a magnitude e o gigantismo de Castelia assustava até mesmo alguém como ele que provavelmente já tinha visto muita coisa.

    Ele cogitou em acender um cigarro ou um charuto que carregava no bolso, mas desde que conhecera Havana, fazia de tudo para evitar esse vício. Até porque ele realmente queria evitar deixar uma Foley furiosa. Bocejou antes de ouvir a porta da varanda abrir-se e Jackson repousar ao seu lado, imitando o mais velho.

    — É meio difícil ficar no meio daquela família, eles têm um mundo tão incrível que você se sente ofuscado as vezes – riu o jovem. – Não sei como Hilbert está aguentando.

    — Todos eles tiveram uma grande história juntos, então você tem que conhecer eles aos poucos para entender o que passa na cabeça de todos – comentou o líder de ginásio. – Mas não deixam de ser pessoas humildes e gentis. Aprecio isso demais.

    — Você e Havana Foley estão namorando, né? – questionou Jack, sorrindo ao perceber que tinha acertado.

    — Estamos sim. Nós dois temos vidas diferentes, mas no final do dia a gente se completa. Tivemos problemas amorosos e agora estamos reaprendendo aos poucos.

    — Minha tia comentou quando voltou de Driftveil – confessou o arqueólogo. – Ela disse: “Nunca vi aquele velho com um sorriso tão grande no rosto ao falar da famosa Havana Foley”.

    — Lenora adora ser a primeira a saber das fofocas – riu o líder. – Mas pode não contar para Hilda? É a primeira vez que a vejo pessoalmente. Estamos planejando como dar a notícia.

    — Não se preocupe, minha boca é um túmulo.

    — Havana disse que ela fica com os tios em Castelia por causa da rotina agitada como modelo e dançarina, então esse reencontro é realmente importante para as duas. Elas precisam de um momento mãe e filha.

    — Sabe que as pessoas sempre me falavam que o senhor era um sem coração ignorante que só focava no dinheiro? – disse Jackson. – É incrível como as pessoas julgam as outras pela aparência, né?

    — Eu espero que isso tenha sido um elogio. Mas já ouvi muito disso também – riu Clay. – Principalmente da minha ex-esposa. Só que ela abusava mais dos xingamentos. Pelo menos o divórcio foi amigável.

    — Fico feliz que esteja bem.

    — Estamos falando de mim, mas e você, Jackson Petrie? – o especialista em Ground-type se virou para o mais novo, interessado. – Se formou em museologia, exerce funções de curandeiro e arqueólogo, praticamente tinha um emprego garantido no Museu de Nacrene. O que o levou a largar tudo isso para seguir em jornada com dois jovens que estão em uma caça a insígnias? Surgiu o interesse de conhecer a área?

    — Foi um acaso do destino – respondeu o outro, sem graça. – Mas tem relação com a Light Stone.

    — Espera, encontraram a Light Stone também? – o interesse de Clay aumento ainda mais. – Sua tia deve lhe ter contado sobre o roubo da Dark Stone.

    — Sim, ela contou. E os Plasmas também tentaram nos levar a Light Stone – contou o mais jovem. – O problema é que quando tentamos resgatar ela, infelizmente, ela foi destruída.

    — Destruída? – o mais velho conteve uma exclamação maior.

    — Achávamos que ela tinha desaparecido por completo – continuou Jack. – Mas a Hilda encontrou um fragmento dela. E antes de ontem encontramos um segundo fragmento.

    — Vocês vão procurar todos os fragmentos? – questionou o líder, meio cético. – Demoraria anos.

    — Aí que entra a grande jogada – o arqueólogo olhou para dentro, como se preparasse para contar um grande segredo. – A Hilda sente a presença dos fragmentos e nos indica com certa precisão onde eles estão.

    Clay massageou as têmporas com os indicadores e dedos médios com certa pressão, tentando assimilar tudo.

    — Eu acho que quanto mais velho eu fico, mais cético eu me torno – murmurou ele. – Mas eu realmente não tenho como... contrariar vocês. Depois do que aconteceu na Twist Mountain, eu realmente estou acreditando em muita coisa nova.

    — Não se culpe tanto, senhor Clay – Jackson suspirou. – Foi assustador pra gente no começo também. A Hilda quase surtou. Mas se tem algo que a gente aprendeu sobre povos antigos nas escavações é a habilidade da resiliência.

    — Se adaptar as mudanças – completou o líder, assentindo. Ele voltou a olhar o movimento das ruas, era incrível como ainda havia tantos carros. – Bem, de toda forma, como irão “juntar” essas peças? É possível fazer isso?

    — Ainda não sabemos, estamos em Castelia para o desafio de Hilbert no ginásio do Burgh e ao mesmo tempo, viemos perguntar para eles sobre a família Kurosawa – contou o negro, suspirando. – Eles são a chave para a junção dos fragmentos.

    — Sabe que estão depositando esperanças em uma família que sumiu de Unova há muito tempo né? – apontou Clay. – Eles viviam na região onde hoje é Icirrus City. E Icirrus é uma das cidades mais antigas de Unova.

    — Já ouvi falar algo do tipo, mas é minha responsabilidade agora – Jackson sorriu. – Vou até o fim do mundo para cumprir minha missão.

    — Admiro sua força de vontade – sorriu o mais velho. – De qualquer forma, contem comigo para ajudar na coleta dos fragmentos. Vivo metido em escavações e guardarei todos os fragmentos que encontrar.

    — Agradeço de coração, senhor Clay – agradeceu o outro. – Agradecemos também se não... espalhar essa informação com qualquer um. A Team Plasma está atrás desses fragmentos à essa altura.

    — Não se preocupem. Minha boca é um túmulo – riu Clay.



    Oliver acabara por dormir no sofá, isso era sinal que já era tarde da noite. Maisy já começara a ajeitar colchões no quarto de seu filho para Jackson e Hilbert enquanto Ben levava seu garotinho para a cama. Havana terminava de falar com Hilda quando se levantou e olhou para Clay, acenando de leve com a cabeça, como se conversassem.

    — Eu preciso ir, meu amor – a loira beijou a testa da mais nova. – O senhor Clay vai me dar uma carona até o meu prédio.

    A morena, estranha e insegura, segurou o braço da mãe, meio envergonhada em fazer isso.

    — Você não pode ficar? – questionou, com a voz baixa. – Faz tanto tempo que a gente não se vê...

    Com certeza estava parecendo infantil e extremamente ciumenta. Não queria agir assim, mas sua insegurança parecia ter surgido de repente e aquilo estava a matando por dentro. Seus amigos provavelmente a encaravam confusos, quase não reconheciam aquela Hilda.

    Mas Havana parecia reconhecer sua filha mesmo que ela estivesse com o melhor disfarce do mundo. Com um sorriso meio, ela depositou outro beijo na testa.

    — Claro que posso, mas você vai ter que dividir sua cama comigo – riu a loira, recebendo outra risada como resposta da menor.

    — Tem espaço pra nós duas – ela respondeu.

    Hilda foi para seu quarto que continuava completamente organizado desde que deixara a casa e sentiu um pouco de nostalgia ao entrar. Sua matriarca se despediu do “amigo” e logo em seguida apareceu. Era o momento mãe e filha que as duas almejavam por anos.

    A luz do abajur era a única coisa acesa naquele ambiente, os outros cômodos estavam incrivelmente silenciosos, sinal de que a maioria dos moradores e hóspedes já dormia confortavelmente. No quarto da garota, mãe e filha estavam confortavelmente sentadas em travesseiros macios sobre o chão enquanto a mais velha penteava e fazia tranças no cabelo da mais nova. As duas usavam pijamas extremamente parecidos.

    — Seu cabelo cresceu bastante – observou Havana.

    — Ele tá meio estranho desde que passei pela Pinwheel Forest, acho que precisa de hidratação.

    — Sei do produto perfeito para isso – sorriu ela, continuando. – Que bom que você tá conhecendo melhor o mundo, Hilda. Me mataria te ver virando uma garota da cidade grande que só sabe olhar pro próprio umbigo.

    Hilda riu e se espreguiçou.

    — Está incomodada com a festa? – a mãe perguntou.

    A outra negou de leve.

    — Mesmo que eu tenha mudado um pouco, eu ainda adoro a ideia de usar um vestido bonito e dançar uma valsa – confessou, um pouca mais confortável.

    — Falando em valsa, precisamos falar sobre seu príncipe. Tem algum em mente?

    — ... O Hilbert – Hilda quase escondeu o rosto, parecia que até falar o nome do menino a deixar envergonhada e sentia muita raiva disso.

    — O menino que invadiu seu quarto? – riu a mais velha. – Parece que ele mudou bastante o rumo da sua vida.

    — M-Mais ou menos. Todo o caminho até agora foi super divertido. Eu adoro ver aquele jeito animador e motivado também, mesmo ele sendo um irresponsável as vezes – ela continuava a confessar, rindo de vez em quando. – Hoje de manhã, ele acabou se perdendo na floresta com uma... garota que a gente conheceu no caminho. Quando nos reencontramos, ele estava conversando animado com e ela e eu fiquei sabendo que eles se... beijaram – a voz dela abaixou o tom e ela pareceu triste. – Aquilo me deixou triste por dentro, mas por fora eu só conseguia gritar e brigar com ele. E-Estou assustada, eu nunca fui assim

    Havana confortou sua filha em seus braços com carinho e compreensão. Como mãe, estava há muitos anos se preparando para essa conversa.

    — Você estava com ciúmes – disse a loira. – Talvez você esteja se apaixonando pelo Hilbert. Por isso seu coração bate rápido, seu estômago parece que tá cheio de Butterfrees, você fica corada só de pensar no nome dele e sente ciúmes quando outra pessoa se aproxima dele.

    — O-o que eu devo fazer?

    — Nada além de aproveitar esse sentimento – sorriu a mais velha. – É um sentimento único do primeiro amor. Pode ser rápido ou pode te acompanhar por muito tempo. Cabe a você controla-lo para que não acabe estragando sua relação com o rapaz.

    — Meu amor é destrutivo então? – Hilda queria ter certeza de que todas as suas dúvidas e inseguranças fossem sanadas, ainda que estivesse claro na sua cabeça que estava começando a cultivar sentimentos por Hilbert, não queria se precipitar e estragar tudo. Prezava pela amizade que cultivara nessas semanas.

    — Depende de como você externa ele – Havana parecia uma especialista falando. – Se você o proibir de fazer coisas ou agir de forma estranha com ele porque acha que isso é o certo, então você vai colocar tudo por água abaixo. Mas se você respeita o espaço dele e ele o seu, e você transformar esse amor em mais carinho e dedicação, tenho certeza que mesmo se ele não retribuir da mesma forma, irá ser extremamente fiel e dedicado a você.

    — Eu deveria me confessar? – a menina refletiu.

    — Eu acho que no momento, você deveria se conhecer mais antes de depositar muitos sentimentos em outra pessoa – riu a mãe. – Não se preocupe, no momento certo, você saberá como agir. Você é uma Foley, nós sempre sabemos como nos virar.

    Hilda riu e bocejou. As duas então organizaram a bagunça deixada no chão e deitaram juntinhas na cama. A menina se lembrava de dormir grudadinha na mãe quando mais nova, era uma sensação de conforto e proteção que nem todos os cobertores, travesseiros, espiadas no armário e embaixo da cama a procura de monstros e a luz do corredor acesa poderiam oferecer. Havana ajeitou o cobertor rosa bebê, pronta para finalmente dormir.

    — Boa noite, meu amor – disse a mais velha com a voz baixa.

    — Mãe...

    — Hm?

    — Aproveitando que estamos... falando sobre mim – ela desviou um pouco os olhos azuis, evitando contato visual, como se tivesse medo. – Você nunca me falou quem é o meu verdadeiro pai...

    O silêncio tomou conta do quarto. A matriarca havia se preparado para todo tipo de conversa, desde perguntas infantis como “Por que o céu é azul?”, até para as perguntas sobre as dúvidas de Hilda na escolinha, a primeira menstruação, o primeiro amor, até mesmo para futuras perguntas que viriam naturalmente. Mas aquela maldita pergunta nunca a deixava confortável. Ela não sabia o que responder, sua única alternativa era sempre mentir. Que desculpas daria a uma menina de quase 15 anos que já estava sabendo quase tudo sobre a vida?

    — ... Ainda é cedo para dizer – ela respondeu, decepcionada por repetir uma desculpa usada milhares de vezes.

    — É sempre assim – sussurrou a filha, igualmente decepcionada. – Eu só queria ter o direito de saber. Quem ele foi? Ele morreu? O que ele fazia? Por que eu nunca o conheci? Ele me odiava? Ele te bateu?

    — Hilda, no momento certo...

    — Eu só queria saber. Do nada você aparece com um cara novo e se dá super bem com ele e eu nem posso saber se ele é bom ou não porque eu nunca soube quem era o meu pai biológico.

    Menina esperta. Foi o que pensou Havana. A loira então abraçou a menina e se manteve em silêncio, sinal de que toda aquela conversa deveria se encerrar. Hilda estava se afobando e queria conhecer tudo do dia da noite. Mas ambas sabiam que as respostas vinham com o tempo.

    A menina suspirou, cansada e finalmente pegou no sono.


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  • Capítulo 23

     



    Por que está me seguindo? – questionou Aramis, caminhando pela Pinwheel Forest, meio manco, na manhã seguinte.

    Ao seu calço, a mesma garotinha da noite anterior, seguindo aquele Virizion como se fosse a mamãe Swanna e ela fosse um pequeno Ducklett. Parecia muito mais animada e menos assustada, observando com curiosidade tudo e a todos.

    O Pokémon a sua frente parou-se repentinamente e a menina quase trombou contra uma das pernas dele. Ele virou-se e a encarou, tentando parecer intimidador.

    Ok, eu não te conheço e não tenho a mínima vontade de prolongar essa relação!  - gritou, fazendo a criança recuar um pouco. – Eu trabalho e vivo sozinho. Não preciso de ninguém no meu encalço! Agora some daqui!

    De prontidão, ela saiu correndo e logo o Virizion retornou o seu caminho, mas algo lhe incomodou logo em seguida que o fez virar-se novamente, irritado. Lá estava ela, alguns metros longe, tentando procurar uma direção para seguir, parecendo perdida e frágil naquela enorme floresta. Aramis bufou, cedendo seu lado durão.

    Menina! – ele ganhou a atenção dela, que logo se aproximou. – Pode me acompanhar, mas você não deve me atrapalhar! Eu não vou pensar duas antes de te matar.

    O sorriso como resposta foi reconfortante e suas bochechas espremeram seus inocentes olhos perolados que eram extremamente bonitos. Ela abraçou uma das patas do Pokémon como forma de agradecimento, já que não podia falar.

    Pérola – resmungou o Virizion, envergonhado. – Seu nome vai ser Pérola, mas isso porque eu não quero ter que ficar de chamando de garota o tempo todo.

    Pérola sorriu novamente e Aramis não conseguia acreditar como aquela menina era uma exceção à regra para o ódio dele contra humanos.


    Hilbert se espreguiçou. Os ferimentos e as dores da batalha contra Aramis pareciam estar bem melhores. Ele caminhava ao lado de Hilda e Jackson pela enorme floresta, haviam saído cedinho para compensar toda a viagem perdida no dia anterior graças ao embate. A menina bocejou, exausta.

    — Se não fossem as barracas, acho que meu cabelo estaria horrível há uma hora dessas. Essa floresta é bem molhada – comentou, ajeitando sua bolsa. Lucio seguia o grupo, completamente confortável com a temperatura, a julgar pelo seu tipo.

    — Acha que estamos muito longe? – questionou Hilbert.

    — Considerando a rota que pegamos, acredito entre hoje e amanhã de manhã. Devemos sair e chegar na Skyarrow Bridge – informou Jackson.

    — E logo depois estaremos em Castelia – sorriu Hilda, animada. – Faz quase um mês que estamos em jornada, acho que não mudou muita coisa por lá, mas a ansiedade do retorno é bem maior.

    — Mora com os seus pais? – questionou o arqueólogo, curioso em conhecer cada vez mais sobre seus novos amigos.

    — Com os meus tios. Minha mãe é dançarina e modelo em Nimbasa – contou a morena. – Meu pai eu nunca conheci – riu, completamente acostumada com a situação.

    — Sua mãe é Havana Foley? – perguntou Jack, recebendo um sinal positivo. – Ah, que incrível! Já vi muitas propagandas com ela. Eu podia jurar que a filha dela seria aquelas mimadinhas que se deitam no dinheiro e na fama da mãe.

    — Minha mãe e meus tios sempre me ensinaram sobre humildade. Minha tia e minha mãe vieram de família humilde em uma ilha muito distante chamada Ária – Hilda pareceu extremamente orgulhosa em falar de sua família e das lições que aprendera com ela. – Eu já fui algumas vezes lá. Meu tio herdou o resort do pai construído na ilha e sempre passamos as férias lá.

    — Parecem ser pessoas incríveis, estou ansioso para conhecer todos – sorriu o rapaz. – Minha família vive em Virbank. É meio distante, então eu preferi me mudar na mesma cidade que a minha tia para conseguir fazer faculdade e trabalhar na área. Basicamente, eu e você fomos criados pelos tios.

    — Eu adoro essas pequenas coincidências – riu a garota.

    Hilbert prestava atenção na conversa dos dois como mero espectador, era legal ver que todos tinham bons familiares apesar das desavenças. Não tinha como reclamar da sua família também, apesar da ausência de seu pai, havia crescido sobre os olhos gentis de Alina e de um casal de idosos que o tratou como um neto que nunca tiveram. Se tivesse a oportunidade de realizar um desejo, pediria que todas as pessoas do mundo tivessem uma família feliz, independentemente de como fossem.

    Sua atenção foi roubada por uma pessoa que estava sentada em uma pedra, tomando uma garrafa de água. Aquele estilo de roupa com o incomparável cabelo laranja e a mecha azul podia ser reconhecido há milhares de metros. O sangue do menino ferveu em ver sua rival, Maggie.

    — DESSA VEZ VOCÊ NÃO ME ESCAPA! – berrou o treinador, puxando uma Pokéball do bolso, assustando seus colegas, correndo até ela. – VOCÊ! NOS VIMOS DUAS VEZES E NÃO TIVEMOS A OPORTUNIDADE DE BATALHAR!

    — Por que sempre o Hilbert quebra qualquer normalidade no nosso caminho? – riu Hilda, seguindo o amigo com Jackson.

    Maggie assustou-se ao ver tantas pessoas focadas nela, quase revirou os olhos com a figura do garoto de boné vermelho que sempre estava em seu caminho. Hilbert era o nome dele, né?

    — Você estava com a Team Plasma, mas isso não me importa, você ignorou duas batalhas minhas e eu não vou te deixar escapar agora!

    — Hilbert, não precisa gritar, ela está na sua frente – pediu sua companheira, envergonhada.

    A adolescente se levantou da pedra e pediu distância.

    — Eu não estou com clima, menino. Tô desde ontem treinando, não dormi direito a noite, então eu realmente não quero – murmurou ela, ajeitando seu casaco de lã folgado e preto por cima da regata de mesma cor. – Além do mais, você é um carinha muito chato.

    Ajeitando sua pochete na cintura, Maggie retomou seu caminho, ignorando o trio. Mas todo mundo sabia quem era Hilbert. O garoto avançou e agarrou o braço de sua rival que se assustou com tamanho empolgação.

    — Te machuquei? – ele se arrependeu de ter feito aquilo na hora, soltando o braço da garota. – Desculpa. É que você é sempre toda evasiva, dá até medo. Até parece que aconteceu algo com você.

    A ruiva recuou alguns passos, sem olhar pra trás. Ele tinha acertado um ponto fraco como se parecesse de propósito.

    — Eu lembro que você estava com um rapaz da última vez que nos vimos – comentou Hilda. – Cadê ele? Vocês brigaram? Tá tudo bem?

    Maggie recuou mais uma vez. Já estava sendo difícil superar a morte de Peter, e as pessoas insistiam em tocar no assunto. Estava se sentindo tão sufocada que mal percebeu que seus pés pisaram em falso em um barranco e ela escorregou, Hilbert tentou salvá-la agarrando sua mão, mas o chão úmido e as folhas tornaram tudo escorregadio, e os dois rolaram morro abaixo por uma altura considerável.

    — Hilbert! – gritou a menina, indo até a beirada.

    — Tomem cuidado! – respondeu o menino. – É muito escorregadio.

    — Vamos descer, Jack? – questionou a companheira para o amigo.

    — Acho melhor não, poderíamos pisar em falso e ter um impacto maior – refletiu Jackson. – Hilbert, acha que consegue nos encontrar na estrada? A rodovia principal.

    — Acredito que sim. Nos encontramos lá?

    — Sim. Vamos Hilda.

    Hilda assentiu e voltou a olhar pra baixo.

    — Se cuidem! – e os dois sumiram do campo de visão do treinador.

    Ele então se virou para sua nova companheira, que estava sentada no chão, tirando algumas folhas do corpo.

    — Ouviu isso? Precisamos procurar a estrada – o menino estendeu a mão para a rival. – Vamos lá?

    Maggie virou o rosto, em sinal de negação.

    — Quer parar de teimosia?! Tô tentando te ajudar! – gritou, não poupando palavras.

    — Meu calcanhar... – ela falou em voz baixa.

    — Hm? O que disse? – o treinador aproximou o rosto de forma curiosa.

    — MEU CALCANHAR ESTÁ DOENDO, NÃO CONSIGO ANDAR! – berrou em resposta, acertando uma testada contra seu rival. Ele cambaleou pra trás e acariciou o local da pancada. – D-Desculpa.

    — Que testa dura – resmungou.

    Ela reprimiu um xingamento antes de respirar fundo.

    — Pode ir encontrar seus amigos, eu vou esperar a dor passar.

    Seu companheiro coçou os cabelos castanhos, olhando de um lado para outro.

    — Não dá mesmo para caminhar?

    A ruiva negou e quase levou um sustou a ver o menino agachar de costas para ela, estendendo as mãos para ela.

    — Sobe aí – ofereceu, com a voz positiva. – Eu te levo.

    Aquilo parecia extremamente ofensivo para alguém como ela, estava há tanto tempo se virando sozinha que quando tinha o suporte ou apoio de alguém, agia com desconfiança. Mas Hilbert parecia ser um garoto bobo que só tinha a pura intenção de acelerar as coisas, e como seu tornozelo parecia não querer aliviar a dor, acabou cedendo e subindo no colo dele. Apesar de mais velha, ela não era tão pesada como o menino imaginava (talvez seu lado Pokémon oferecia uma força além da sua idade).

    — Ok, vamos lá! – Hilbert se levantou, animado. – Tá confortável aí?

    — Quanto menos você falar, menos humilhante vai ser – resmungou a ruiva, ainda mal-humorada.

    A dupla começou a caminhar, seguindo um caminho meio incerto, em completo silêncio, não havia assuntos e parecia que nenhum aleatório surgia para quebrar aquele clima de tensão. Na verdade, não havia o que comentar, apesar de haver perguntas básicas como idades ou até quantidade de insígnias, os dois pareciam bem tímidos e tensos para aquilo. Ainda mais que para o garoto, Maggie poderia ser a vilã, já que, por algum motivo, trabalhava para Team Plasma. Talvez ele devesse tentar arrancar algumas informações sobre isso.

    — Então... Naquele dia... Você estava lutando ao lado dos Plasmas – começou a falar, escolhendo as palavras. – Porquê?

    — Eu não ligo para o que eles acreditam, nem concordo ou discordo – respondeu. – Eu só trabalho para eles porque eles pagam bem.

    — Sério? Tipo, dinheiro de verdade? – apesar de parecer cruel se vender para o lado inimigo por dinheiro, Hilbert não pode deixar de ficar curioso.

    — Exatamente. Eles são de família rica, ou um conjunto de famílias, sei lá – contou a rival, pensando na festa da coroação. – Com esse dinheiro, eu posso ter uma jornada sem precisar roubar ninguém

    O garoto mostrou a língua, imaginando ser uma indireta para si mesmo, mas tentou aproveitar o embalo da conversa. Porém, foi interrompido.

    — Não, eu não vou falar mais do que isso sobre os Plasmas. Quero manter meu pescoço no lugar – ela riu quando o menino fez um bico de decepção.

    — Quantas insígnias você tem? – questionou, mudando de assunto, na tentativa de manter a conversa.

    — Apenas uma. A de Striaton. Lutei contra o Cilan – respondeu, meio acanhada. – Eu sei que tô meio devagar.

    — Contra o Cilan? Ele é incrível, né? – sorriu o treinador. – Eu o ajudei a servir um chef famoso muito chato e metido e ganhei a insígnia.

    Maggie olhou curiosa para seu “cavalheiro”.

    — Como é que é?

    Hilbert contou suas aventuras no ginásio de Striaton e a ruiva riu quando ele confessou o fato dele usar um uniforme feminino para tal feito. Apesar dele resmungar como achou humilhante no começo, não pode deixar de conter o riso também, já que finalmente tinha colocado um clima bom no local.

    O problema é que com a distração, eles tinham se desviado um pouco de seu caminho inicial, fazendo com que a vegetação parecesse maior e confundisse ainda mais o caminho. Hilbert parou de andar e olhou em volta.

    — Não quero ser pessimista, mas acho que estamos perdidos – concluiu ele.

    — Acho que sei o que pode nos ajudar – Maggie tirou de sua pochete uma Pokéball e liberou a criatura de dentro dela.

    Era pequena e semelhante com um cogumelo, seu corpo branco tinha dois bracinhos e um rostinho curioso e uma pequena boca rosa. O que mais chamava atenção era seu enorme “chapéu” com uma estampa de Pokéball. A Pokédex de Hilbert anunciou as informações sobre o novo Pokémon:

    “Foongus, o Pokémon Cogumelo. Ele atrai as pessoas com sua estampa de Pokéball e libera esporos de veneno para todos que tentam o pegar. Não se sabe como surgiu esse padrão em sua cabeça”


    — Uau – admirou o jovem.

    — Ninguém melhor que um Grass-type para conhecer a floresta – argumentou a ruiva. – Ei, carinha. Estamos meio perdidos, será que pode nos guiar até o final da floresta? Mais precisamente na rodovia.

    Foongus assentiu e começou a saltar na frente com pulos curtos, sendo seguido pelos jovens que ainda estavam desconfiados no potencial da criatura, porém, ele parecia certo de seu caminho. O menino voltou a puxar assunto.

    — Um Stunfisk e um Foongus, seu time é... curioso.

    — Eu diria exótico – riu Maggie. – As pessoas costumam menosprezar esses Pokémon por eles não serem... populares. Mas eles são tão incríveis quanto os gigantes.

    — Você pegou um inicial no laboratório da Professora Juniper também?

    — Eu ganhei um Axew do meu pai quando eu era mais nova porque ele queria que eu fosse a maior treinadora de dragões de Unova, assim como ele. Mas como pode ver, meu destino era outro.

    — Seu pai treina dragões? – Hilbert parecia cada vez mais impressionado com as coisas que ele descobria sobre sua rival.

    — Ah, eu não devia ter tocado nesse assunto – Maggie revirou os olhos. – Meu pai é o Drayden, o líder de Opelucid City, especialista em Dragon-type.

    — Deve ser incrível ter um pai como ele – disse o jovem, pensando em seu próprio pai e como ele poderia ser incrível se tivesse simplesmente participado mais.

    — É complicado dizer – respondeu a rival. E assim o assunto se encerrou.
     

    Longos minutos se passaram quando Hilbert pediu para descansar, já que suas pernas começaram a bambear graças ao peso que carregava. Ele gentilmente agachou e permitiu que Maggie sentasse sobre uma pedra grande enquanto ele escolheu esticar as pernas sentando-se no solo úmido e frio. Se espreguiçou e suspirou.

    — Espero que os outros estejam bem – disse o menino.

    — Tenho quase certeza que estão melhor do que a gente – riu a outra. – Tá com fome? Tenho algumas barras de cereal aqui.

    Vic saiu da bolsa de Hilbert, interessado. A ruiva quase berrou ao ver ele.

    Você disse comida? Essas barras de cereais são feitas do quê? – ele voou para perto de menina.

    — Vic, a parte de você se esconder na minha bolsa é para que você não ficasse exposto – argumentou o amigo do Victini. – Seria legal se você colaborasse e não aparecesse para qualquer um.

    Hilbert, ela tem uma comida que eu nunca vi antes, eu não posso perder a oportunidade – respondeu o Pokémon, voltando sua atenção para Maggie. – E então, me conta mais sobre essa barra de cereal – ele notou que a menina estava em estado de choque, super surpresa. – Erm... Hilbert, ela é muda?

    — Você a assustou, para variar – retrucou o treinador.

    — U-Um Victini... falante... – foi a primeira coisa que a adolescente disse após o choque.

    Cara, essas reações já estão ficando genéricas – Vic cruzou os braços. – Vic. Victini falante. Amigo do Hilbert. Moro na bolsa dele pra evitar confusões. E você é a Maggie e tem algo que eu estou MUITO interessado.

    — E-Eu te vi na batalha em Nacrene, mas de perto é bem mais chocante – riu Maggie, oferecendo o alimento para Vic e Hilbert.

    Após um tempo socializando e trocando algumas palavras, o treinador terminava de devorar outra barra de cereal quando notou que um Pokémon se aproximou dele, tímido. Era semelhante um inseto predominantemente de cor vinho. Seu corpo começava grande e terminava gradativamente com menor tamanho e de tom verde, suas patinhas eram pretas e sua cabeça tinha olhos amarelados e sérios. A Pokédex apontou que aquele era um Venipede.


    — Oh, olá – cumprimentou o treinador. – Tudo bem?

    O moreno estendeu um pedaço da barra do cereal para o inseto que devorou contente.

    — Então você estava com fome? – riu ele. A ruiva continuava a observá-lo, sentindo-se confortável com a presença dele.

    — Acho que tive impressão errada sobre você – confessou ela, recebendo atenção de seu companheiro. – Eu jurava que era aqueles treinadores insuportáveis desesperados por batalhas. Mas você tem toda uma personalidade incrível, é amigável e completamente positivo.

    — Oh – Hilbert coçou o cabelo, encabulado e corado. – Obrigado.

    — Me lembra um pouco do Peter – a voz de Maggie tornou-se pesada e entristecida.

    — ... O que houve com ele?

    — Ele...morreu semana passada – informou, com a voz ainda mais baixa e triste.

    O outro a encarou com os olhos arregalados. Não conseguiu esconder o choque e nem a surpresa. Podia ser mentira, mas a expressão da ruiva lhe cortava o coração pois ela parecia carregar consigo todo o peso e culpa daquela morte. O treinador não pensou duas vezes antes de subir na pedra ao lado da adolescente e encostar os ombros, em sinal de suporte.

    — Hilda me contou uma vez que somos como médicos. Só podemos nos ajudar se você contar onde dói – começou ele, recebendo a atenção de todos, até mesmo do recém chegado Venipede.

    — O que quer dizer?

    — Tô dizendo que apesar de você estar triste com o fato do seu amigo ter morrido, tem algo mais dentro de você que te incomoda, tipo uma culpa – disse, gentil e atencioso. – E quanto mais você reprime essa dor, mas forte ela fica e aí fica difícil para curar. Então – ele soltou um sorriso confortante. - Põe tudo pra fora.

    Maggie não conseguiu conter as lágrimas que vieram em seguida, ela apoiou o rosto molhado contra o peito de Hilbert enquanto agarrava a jaqueta do menino. Seu choro era alto, doloroso, triste e verdadeiro. Apesar de estar se oferecendo para ajudar, o jovem não soube como reagir e só esperou que a mulher desabafasse.

    — Eu... nunca tive uma relação boa com o meu pai – começou a desabafar, soluçando um pouco. – Ele sempre estava focado em me tornar aquilo que ele queria que nunca me ouvia. Eu não queria suceder o ginásio dele ou enfrentar o campeão de Unova, eu só quero sair em jornada e me divertir, aprender e evoluir por mim mesma – ela olhou para o outro, ainda segurando sua roupa. – Por isso eu sou sempre desconfiada ou brava, eu me fechei por medo de outras pessoas quererem decidir meu próprio destino. Eu fugi de casa, entrei pra Team Plasma e conheci o Peter.

    Hilbert ofereceu um pouco de água para a adolescente. Ela agradeceu e continuou, levando um tempo para que seu choro diminuísse, ainda que a maioria insistisse em cair.

    — O Peter era o único que conseguia arrombar a porta que eu tinha trancado pro meu coração – confessou, olhando para a garrafinha PET vazia. – Só que eu não conseguia retribuir todo o carinho que ele me dava. Apesar das brincadeiras idiotas dele, eu o amava, de verdade. Mas agora ele está morto e eu nunca consegui dizer isso a ele!

    As lágrimas retornaram novamente, seu rosto provavelmente estava acabado e inchado, mas ela não se importou. Ninguém nunca lhe dera tanto conforto para desabafar daquele jeito, então agarrou a oportunidade e se deixou levar pelas lamentações.

    O garoto ao seu lado continuava a confortá-la como podia, tentava dizer palavras de apoio, mas sabia que ela só precisava soltar aquele choro entalado na garganta. Minutos se passaram até que ela conseguisse relaxar, Hilbert então a levou até um riacho próximo para que ela pudesse lavar o rosto.

    Maggie olhou seu reflexo no rio e riu.

    — Tudo bem? – questionou seu companheiro.

    — Aham – sorriu a mulher. – Eu só estava pensando que provavelmente Peter me faria uma cantada numa hora dessas – ela voltou a rir e o garoto riu também.

    — Que bom que você tem memórias boas com ele – respondeu ele.

    A ruiva se levantou e virou-se para o outro.

    — Ah, seu tornozelo está melhor! – sorriu o treinador.

    — Bem melhor – a adolescente se aproximou mais. – Obrigada, Hilbert – ela depositou um beijo leve e macio na bochecha do garoto que mal conseguiu controlar seu rosto corado. – Obrigada por ouvir o meu coração, era tudo que eu precisava. Vou continuar minha jornada em memória a ele.

    O treinador ajeitou o boné, escondendo o rosto vermelho e tímido, mal sabia o que responder, o que fez sua rival rir.

    — Prometo que na próxima ver que nos vermos, vou batalhar contra você – ela disse, recebendo atenção de novo. – Então esteja preparado.

    — Com certeza estarei – respondeu o menino, com determinação.

     

    Hilda e Jackson já estavam no local combinado, observando cada beira de estrada a procura dos dois perdidos. Lucio procurava próximo dos riachos e Jack até subiu em uma árvore para ter uma visão melhor, mas sem sinal dos dois. A garota já começava a ficar preocupada. E se Hilbert tivesse reencontrado o Virizion e aquela forma dele tivesse retornado? Ela acariciava as mãos que estavam suadas, mordia o lábio de nervosismo que chegavam a machucar um pouco.

    — Ah, Hilda, olha! – apontou o arqueólogo logo a frente. – Eles chegaram.

    De dentro da mata há alguns metros, Maggie e o garoto de boné saíram. Eles conversavam e riam em super alto astral, como dois grandes amigos.

    — E parece que estão muito bem – riu Jackson.

    Hilda sentiu seu coração acelerar ao ver a cena, ver o sorriso do Hilbert daquele jeito com a ruiva fazia seu peito doer, podia jurar ter sentido um vazio enorme dentro do seu corpo. Engoliu seco e achou estranho quando as lágrimas começaram a rolar pelas suas bochechas.

    Ela abaixou a cabeça com vergonha, mas ignorou e correu em direção ao amigo, se jogando nos braços dele, num abraço apertado.

    — Hilbert! – ela disse, como se confirmasse se era ele mesmo. – Você está aqui!

    O menino assustou-se, mas riu com a reação da amiga, acariciando o cabelo dela, observando-a enterrar o rosto em seu peito enquanto molhava a jaqueta do jovem.

    — Estou aqui – confortou o jovem, finalmente retribuindo o abraço. – Só que você tá molhando minha jaqueta.

    — Que se dane! – murmurou a jovem, rindo. – É o segundo dia seguido que você me deixa preocupada. Vou puxar sua orelha!

    — Por favor, deixe minha orelha em paz! – ele implorou, recuando.

    A morena enxugou as lágrimas e soltou um sorriso meigo.

    — Vocês estão bem? – Jackson finalmente se aproximou. – Achei que teríamos que chamar a guarda local.

    — Meu Foongus acabou ajudando no caminho – informou Maggie. – Desculpe a demora e se atrapalhei a jornada de vocês – ela coçou as madeixas ruivas, sem graça.

    — Tá tudo bem, foi uma experiência diferente e divertida – riu Hilbert, olhando para a rival.

    — Com certeza – sorriu a outra. – Acho que a gente se despede agora. Preciso ir pra Nacrene, a segunda insígnia me espera.

    — Estamos indo para Castelia – comentou o rapaz. – Boa sorte, Maggie.

    — Obrigada por tudo, Hilbert – a ruiva soltou outro sorriso confortante. – Te espero no nosso próximo encontro para uma batalha digna.

    A rival ajeitou sua pochete e seu casaco e tomou seu caminho para o sul, desaparecendo alguns metros depois, deixando os três jovens para trás. Hilda olhou para seu amigo e notou um sorriso diferente e o cutucou de leve.

    — Que sorriso é esse? – riu ela, totalmente infantil. O outro corou e recuou.

    — N-nada, ué.

    Ele ganhou um beijo da Maggie e tá com essa cara de idiota desde daquela hora ­– entregou Vic, devorando outra barra de cereal (que ele provavelmente tinha roubado).

    — B-Beijo?! – a menina arregalou os olhos, vermelha de raiva só de imaginar as possibilidades. – É por isso que vocês demoraram?! – ela agarrou a orelha do treinador.

    O Victini riu satisfeito e foi até o ombro de Jackson para observar a confusão.

    — Não é o que você tá pensando! – choramingou o outro, implorando pelo bem de sua orelha. – Tenha piedade, sua louca!

    — Quem você tá chamando de louca?! – berrou em seu ouvido, completamente irritada. – Seu chifrudo safado!

    Eu gostei desse apelido – debochou Vic, rindo.

    — É sempre assim? Deveríamos interromper? – questionou Jack.

    Apenas aprecie a discussão de dois apaixonados orgulhosos e aposte no mais forte – comentou o Pokémon, recebendo um olhar ameaçador de Hilda e Hilbert.

    — Eu vou cortar as asas desse cara – começou a garota.

    — Deixa uma pra mim – respondeu o outro, acariciando a orelha.

    Eek! Jackson, me salva! – o Pokémon mergulhou para trás das costas do arqueólogo que sentiu sua espinha gelar.

    — P-Podemos conversar? – ele riu, nervoso, antes de notar algo. – Pessoal? Atrás de vocês.

    Os dois jovens se viraram e o treinador soltou um som de reconhecimento ao ver o mesmo Venipede que tinha se aproximado dele para comer na sua frente. O Pokémon inseto olhava o menino com um tom de afeição, ainda que os olhos amarelos e sérios não demonstrassem isso. Devagar com a suas patinhas, ele se aproximou e recostou-se na perna do garoto.

    — Você me seguiu até aqui? – questionou, agachando. – Ainda está com fome?

    A criatura grunhiu.

    — Tu é um carinha muito engraçado – riu. – Quer entrar no meu time?

    O Pokémon assentiu e Hilbert riu sem graça.

    — Eu só estou sem Pokéball, mas você pode dividir o espaço na bolsa com o Vic – sorriu o treinador, gentil.

    Mano, eu já tô dividindo espaço com as suas tranqueiras, os mangás do Jack e você vai colocar esse maluco junto ainda? ­– protestou o Victini.

    — Quem é o idiota agora? – riu Hilbert.

    Eu vou te denunciar por maus tratos aos Pokémon – Vic cruzou os braços. – Ninguém me respeita nesse grupo.

    O trio de jovens caiu na gargalhada antes de prepararem para voltarem a estrada (segura, dessa vez), estavam próximos da saída e já podiam sentir o cheiro da cidade grande. Estava na hora de voltar ao começo, do lar de Hilda e de onde tudo começou. Castelia City os aguardava de braços abertos.

       

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