• Thursday, June 3, 2021



    ATENÇÃO: ESSE CAPÍTULO NÃO É RECOMENDADO PARA MENORES OU PESSOAS SENSÍVEIS.
    TEMAS: VIOLÊNCIA, SANGUE, ARMAS DE FOGO, USO DE BEBIDAS ALCÓOLICAS, GATILHOS DE SUÍCIDIO.

     

    Uma ninhada de filhotes era sempre uma festa na natureza. Novos bebês para continuar o ciclo da vida era um espetáculo que provavelmente os humanos nunca entenderiam. Aliás, nenhum humano também entenderia como a natureza poderia ser um pesadelo.

    Quando ela abriu os olhos, sua visão ainda estava embaçada, mas já podia enxergar macios pelos alaranjados de sua figura materna e uma língua áspera a lambendo-a com cuidado e atenção. A pequena Eevee achou graça naquilo e virou de barriga pra cima. Sua mãe era uma terna e majestosa Flareon que observava cada um dos seus cinco filhotes, admirando como eram perfeitos.

    Quatro filhotes marrons como deveriam ser e a pequena Eevee, que além da sua coloração ser um cinza claro, tinha diversas manchas esbranquiçadas por todo o corpo. Aquilo não parecia ser algo grave. Mas não se esqueçam que a natureza pode ser cruel.

    Alguns meses se passaram e os filhotes agora tinham certa independência, acompanhando os pais para cima e para baixo, aprendendo como a vida selvagem funcionava. A pequena Eevee manchada agora andava com seus irmãos e perto dos adultos, Jolteons, Flareons, Vaporeons, Espeons e Umbreons. Muitas possiblidades de evoluções para uma criatura sonhadora.

    Mas a Eevee cinzenta parecia sentir muitos olhares para cima dela. Olhares que pesavam e incomodavam de alguma forma, mas que ela preferia ignorar já que estava ocupada demais sendo um filhote brincando.

    — Acho que ela é doente – na primeira vez que ela ouviu aquilo vindo de uma Jolteon adulta, sentiu um enorme vazio em seu corpo.

    Mercuria, como assim quis se chamar, se aproximou de sua mãe e se reconfortou perto dela com uma feição de tristeza.

    — O que houve, meu bebê? – questionou a mais velha.

    — Disseram que eu sou doente...

    A Flareon usou seu focinho para confortar a filha.

    — Não se incomode com isso. Eles não sabem o que falam.


    O problema era ignorar quando até seus irmãos começaram a debochar de sua aparência. A pior parte era quando simplesmente fingiam que ela não existia ou ignoravam a presença dela.

    E aquilo, ao invés de se transformar em tristeza, virou uma raiva sem controle.

    — O QUE VOCÊ FEZ?! – berrou uma mãe Jolteon, se aproximando de seu filhote. O pequeno Eevee estava com marcas de garras na bochecha e Mercuria olhava assustada para o seu ato, nervosa em ver sangue.

    — E-Eu não quis, ele estava me provocando – desculpou-se nervosa.

    Um segundo Jolteon se aproximou dela e pela sua pose, parecia ser o líder daquele bando, ele encarou com desprezo à pobre criatura manchada que sentiu medo. Levantou sua pata esquerda para depositar um tapa como punição, mas Flareon, a mãe de Mercuria surgiu, colocando-se na frente de seu filhote.

    — NÃO FAÇA ISSO! – implorou. – Ela é só um filhote! Não fez por mal!

    A pequena Eevee cinzenta se entranhou entre as pernas de sua mãe e tremeu de medo.

    — Controle essa criatura antes que ela vire um monstro – ameaçou o Jolteon.

    — Eu digo o mesmo para os seus filhotes – enfrentou a Flareon. – Minha filha só está tentando se proteger das ignorâncias dos SEUS filhotes!

    — NOSSOS filhotes – declarou o Jolteon.

    — Percebe que levantou a pata para nossa filha?!

    — Isso não é minha filha! Estou sendo muito bonzinho em manter ela aqui. Claramente ela não é como nós. Está doente!

    — QUEM ESTÁ DOENTE É VOCÊ! – berrou a Flareon, ameaçando atacar, mas logo foi interceptada com um golpe do Jolteon que não mediu esforços. Mercuria se apavorou e gritou por sua mãe.

    — P-Para – implorou a pequena. – N-Não machuca ela, papai...

    O Pokémon elétrico encarou aquela inocente criatura com desprezo.

    — Não me chame de pai, sua aberração!

     

    Aquela palavra ecoou pela sua cabeça por várias e várias horas, até mesmo na hora de dormir, já que não conseguia pregar os olhos. Resolveu se levantar para esfriar a cabeça e procurar um riacho próximo para beber água, mas algo mais intrigante lhe chamou a atenção.

    Ela se arrependeu amarguradamente de ter parado para ouvir.

    — ... Já disse para deixá-la para trás – disse o pai de Mercuria, o mesmo Jolteon de antes, para a Flareon.

    — Isso é cruel – implorou a de fogo. – Ela não teve culpa de nascer daquele jeito.

    — O problema é que isso pode continuar por gerações na nossa linhagem. Ela tem que ficar sozinha, ela sabe se virar.

    — Eu nunca faria isso.

    — Pois fique com ela – respondeu, ríspido. – Eu pego nossos outros quatro filhotes e cuido deles sozinho.

    — Não diga bobagens! – Flareon quis continuar a discussão, mas ouviu barulhos de folha estalando. – Bebê?

    Mas Mercuria não ouviu.

    Estava muito longe para tal.

    Corria que sentia seus pulmões arderem. Queria sumir, desaparecer. Estava dando trabalho para sua mãe e logo iria causar uma confusão e talvez as coisas piorassem para todos, então seria melhor fugir.

    “Desculpa mamãe”, era o que pensava enquanto se enfiava entre os arbustos espinhentos de Johto. “Mas hoje eu não vou voltar pra casa. Continue a vida sem mim”.

    Como um filhote de Eevee sobreviveria sozinho? Apesar de criaram certa independência logo cedo, as noções de perigo eram poucas. E tudo lhe dava medo. O piar ensurdecedor dos Noctowl nas árvores encarando aquela figura indefesa, os Murkrow que de vez em quando tentavam atacar a pequena Eevee por ser uma presa fácil.

    Dormiu de mal jeito em um amontoado de folhas e acordou com os raios de sol queimando a cara dela. A grande pergunta era: O que faria sozinha? Para onde iria? Ficaria por ali? Resolveu novamente procurar outro riacho para se refrescar quando notou que havia saído das áreas florestais e surgido no temor dos Pokémon selvagens: A cidade e os humanos.

    Aquela floresta de pedra era movimentada e as passadas das centenas de humanos assustaria qualquer criatura que observava tudo de baixo. Estava prestes a fugir quando sentiu um cheiro extremamente bom e que lhe chamava a atenção e dava água na boa, resolveu então seguir aquele incrível aroma.

    Preferiu usar as sombras para não chamar tanto a atenção, não sabia que tipo de reação um Eevee acinzentado e manchado poderia causar naquela espécie desprovida de pelos. O cheiro a levou até uma confeitaria delicada com tons pastéis com diversos bolos e doces em exposição, apesar de aparência doce, a maioria tinha um cheiro levemente amargo. Usou suas patas dianteiras para se apoiar no expositor e ficou em pé em suas patas traseiras, abriu a boca para tentar abocanhar um dos alimentos expostos, mas viu que uma espécie de barreira invisível e dura a impedia de conquistar seu objetivo.

    Curiosa, ela tentou acertar algumas vezes o vidro com a pata, mas sem sucesso.

    — Olha, mamãe! Um Eevee diferente! – a voz de uma garotinha ecoou pela rua, animada em ver a pequena criatura. Mercuria só percebeu que se tratava dela quando a humana se aproximou com o intuito de acariciar ela.

    Receosa, resolveu que a alternativa era fugir.

    E mais uma vez, bateu em retirada, com fome e com medo. Na verdade, não demorou muito tempo para que a Eevee cinzenta e manchada entrasse na boca das pessoas daquela região da cidade, inclusive dos interessados.



    Sua especialidade era encontrar Pokémon raros que podiam valer uma boa grana. Os shiny – como assim chamavam os que tinham uma coloração anormal da espécie - eram seus favoritos. Mas o que lhe importunava era ouvir falar das manchas da criatura. Chegou a cogitar que estavam blefando com ele, mas foi orientado a ver a criatura com os próprios olhos em Ecruteak.

    Mark era uma máquina de negócios. Pouco se importava se sua especialidade era definida por muitos como monstruosa. O mundo era dos espertos e caridade não levava ninguém para lugar nenhum. Ao chegar na cidade que contrastava o clássico com o contemporâneo, o homem chamou a atenção de várias pessoas, não só por suas roupas sociais e seu elegante porte, mas também pelo Pokémon que carregava consigo através de uma coleira.

    O Pokémon cachorro demonstrava feição de perigo e violência só no jeito de andar. Mas detalhes como uma focinheira que protegia o mundo de seus dentes pontiagudos, uma coleira cheia de espinhos metálicos e um dos olhos esbranquiçados indicando cegueira faziam qualquer um sentir a espinha gelar. A criatura em questão era conhecida como Houndoom.




    Procurar um Eevee naquela enorme cidade era um tiro no escuro, mas Mark estava acostumado nesse tipo de caçada e sempre tinha seus truques. Não demorou muito para que as informações o levassem para a região que Mercuria fora avistada para que então, o Houndoom começasse a farejar com seu focinho super apurado. Apesar de cada ser ter um cheiro único, Eevees tinham odores muito semelhantes, principalmente os selvagens.

    Enquanto isso, a filhote parecia andar pela cidade despreocupada, acostumada com os alimentos que as crianças deixavam cair ou que alguns estudantes caridosos davam. Não era a vida ideal, mas estava se acostumando em como os humanos a ignorava de uma maneira positiva. Ou será que só estava costumada a ser ignorada?

    O prato do dia era gelado, parecia um sorvete com gosto de frutas, se adaptando a língua humana, tinha ouvido que era algo conhecido como Melona, um sorvete em palito de sabor melão. Estava doce e extremamente suculento. Porém, seu almoço foi interrompido quando suas sensíveis orelhas captaram a presença de algo diferente. Era outro Pokémon, mas esse parecia perigoso.

    O rosnado do Houndoom de Mark despertou certo medo na criatura manchada que bateu em retirada quando viu que ele a perseguia.

    — Aí está você – sorriu o homem, liberando seu Pokémon da coleira. – É só não matar, Baal. Atrás dele!

    Achava que nunca mais teria que fugir na sua vida, mas viver era uma caixinha de surpresas pronta para te refutar. O que aquele humano e Pokémon queriam com ela? Mercuria tinha vantagem – e experiência –, já que podia facilmente passar por entre as pernas das pessoas e pegar atalhos, mas a enorme criatura não iria desistir tão fácil do seu trabalho. Após quilômetros de correria e longos minutos de perseguição, Mercuria finalmente achou que acharia sua solução ao perceber que tinha despistado a atenção de seus perseguidores ao entrar em um beco escuro entre dois prédios, a única iluminação era do sol, mas quanto mais fundo ela ia, cada vez era impossível enxergar até as próprias patas. Percebeu que estava numa fria quando notou que não havia saída para o outro lado, então teria que torcer para que não a encontrassem.

    Mas a sorte não estava a seu favor quando a luz forte de uma lanterna iluminou o beco. Dava pra ver a silhueta projetada pela luz do sol nas costas de Mark e não precisava ser muito inteligente para saber que ele sorria com malícia em saber que tinha encurralado sua presa. Caminhou calmo e vagaroso pelo beco juntamente de Baal que continuava a farejar o chão, guiando seu mestre pelo local.

    — Onde está você, meu pote de ouro? – questionou ele. – Ou devo chamar de maleta de Pokédólares? Imagina o quanto pagariam por uma criatura como você – riu ele, imaginando. – Sempre tem um idiota de Unova que compra essas coisas. Região de idiotas consumistas.

    Ainda que a Eevee manchada não entendesse exatamente do que o homem falava, conseguia assimilar que estava em perigo, encolheu-se próxima de um latão de lixo e pensou em sua mãe.

    A pata do Houndoom pousou próxima do corpo do filhote e ela olhou pra cima, vendo o focinho aparecer logo seguido do rosto assustador de seu predador, sua espinha gelou quando seus olhos castanhos encontraram aquele olho esbranquiçado que provavelmente não carregava uma história feliz.

    — Ora, ora, o que temos aqui – riu Mark, jogando a luz contra Mercuria. – Uau! Você existe mesmo – o adulto ajoelhou-se, deixando a lanterna numa posição que continuasse a iluminar o espaço. – Deixe-me ver essas manchas melhor.

    O traficante estendeu a mão em direção da Pokémon e recebeu em resposta uma mordida.

    — FILHA DA PUTA! – berrou ele, levantando-se e retrucando o golpe com um chute que a jogou para longe. Baal latiu, pronto para atacar e defender seu mestre. – Fica quieto, Baal! Essa porra não machuca nem um Caterpie com esse tamanho, só precisa ser adestrada.

    Sacou uma pequena pistola de seu bolso e carregou aquela arma com um dardo semelhante a uma seringa, sorriu e apontou para Mercuria que ainda tentava se recuperar do impacto.

    — Boa noite, bebê – o tiro saiu silencioso e ela só sentiu uma pequena picada na pata direita traseira. O mundo ficou turvo e sua última imagem antes de desmaiar foi daquela silhueta assustadora se aproximando para fazer sabe Arceus o quê.



    Acordou em um lugar fedido.

    Sua primeira reação foi usar as patas dianteiras para coçar o focinho na tentativa de aliviar a ardência pelo forte cheiro e enfim, se levantou. Percebeu estar presa em uma jaula de ferro em um lugar que era difícil distinguir, mas sabia que era muito longe de casa. Olhando melhor, via que parecia um local abandonado pelos humanos, mas que outros encontraram novas funções para ele, que nesse caso, se tratava de um depósito de Pokémon, que igual a Eevee manchada, estavam presos em jaulas adequadas para o seu tamanho. Criaturas que nunca tinha visto antes, algumas nem pareciam fazer parta da fauna da região.

    Quando tentou interagir com alguém, Baal despertou e começou a caminhar pelo local, fazendo uma patrulha como um experiente cão de guarda. Ele parou perto do cubículo de Mercuria.

    — Finalmente despertou – disse, mal-humorado. – Pensei que tivesse morrido com alguns milímetros de tranquilizante.

    — Onde estamos? – foi a primeira pergunta que conseguiu fazer, ainda apreensiva com a figura do Houndoom.

    — E isso te importa porquê? – questionou, irônico. – Não vai sair daqui. Só se for vendida pra alguma outra região.

    — Quem é você? – questionou novamente, irritando Baal.

    — Ninguém que te interesse, nem precisa se apegar – respondeu, sentando-se sobre suas patas traseiras.

    — O que exatamente vai acontecer comigo?

    — Bem, você pode ter sorte e cair nas mãos de um comprador que te mime ou cair na mão de uma criança que adora te abraçar.

    — Impossível – riu Mercuria, desanimada. – Ninguém quer uma Eevee cinzenta e manchada como eu. Eu sou uma aberração.

    — Admiro sua resistência – confessou Baal. – Outros da sua espécie estariam se debatendo nas grades pra tentarem fugir.

    — Fugir pra onde? Eu nem tenho para onde voltar.

    — Deu pra ver – retrucou o cão, sem um pingo de empatia. – Estava no meio dos humanos como uma vira-lata. O que é estranho, já que Eevees são populares.

    — Em que parte do “eu sou uma aberração” você se perdeu? – questionou, deitando-se. – Fugi de casa quando fiquei sabendo que me deixariam para trás. Tentei fugir de você e daquele humano, mas foi em vão.

    — Talvez devesse tentar parar de fugir e encarar o medo – respondeu Baal, logo se levantando. – Mas pouco me importa o que vai fazer, só estou aqui para garantir que não vai fugir.

    — Pode ficar tranquilo. Fugir não vai ser mais uma opção.

    O Houndoom não queria, mas aquela Eevee indiretamente despertava seu interesse.

     

    Meses se passaram e Mark não conseguia sua maleta de dinheiro como achou que teria ao tentar vender um Eevee shiny e MANCHADO. Mas aparentemente, as pessoas tinham receio em obter uma criatura daquela aparência, alegando medo de ser alguma doença contagiosa. E Mercuria teve sua teoria confirmada: Ela era uma aberração.

    Só que a Pokémon não demonstrava qualquer desânimo. Ela só parecia plena. Aparentemente.

    — Sabe que eu vou passar muito mais tempo, não adianta ficar com essa cara fechada – debochou ela para Baal. – Talvez essa seja a oportunidade de eu te conhecer.

    — Eu já disse que não me importo com você – resmungou o Houndoom. Quando foi que aquela pequena Eevee inocente havia se tornada uma irritante jovem?

    — Vai, por favor, tá ficando tedioso aqui – riu ela, virando-se de barriga pra cima enquanto se espreguiçava. – Me dá o direito de fazer uma pergunta só.

    Baal bufou e rosnou.

    — Só uma.

    — Mesmo? – interessada, ela pôs-se em pé e se aproximou mais das grades para ver o Pokémon de perto. – Então vou ter que pensar bem – e refletindo, finalmente questionou: - O que houve com o seu olho?

    — Não te interessa – respondeu, assumindo um silêncio logo em seguida.

    — Isso não é resposta! – retrucou a Eevee.

    — Você fez uma pergunta e eu respondi, não tenho a obrigação de contar meus problemas pessoais pra você!

    — Foi Mark que fez isso, né? – Mercuria insistiu, com a voz mansa.

    O Houndoom, contra sua própria natureza, se entregou.

    — Ele só estava eufórico no dia – confessou. – Foi só um tiro de raspão há muito tempo atrás.

    — O que você fez?

    — Antes ou depois?

    — E-Existe um depois? – questionou, surpresa.

    — Eu posso ter ficado cego, mas a mordida que ele tomou na perna logo depois descontou toda minha raiva e dor naquele momento – contou, um tanto orgulhoso. – Eu não fugi, Mercuria, eu provei pra ele quem era o mais forte. A sensação de vingança é aliviadora.

    — Está dando conselhos para mim, Baal? – perguntou a Eevee, brincando.

    — Aparentemente você vai passar mais tempo do que eu imaginava – ele disse. – E esse lugar está um tédio mesmo.

    Mercuria refletiu, meio nostálgica.

    — Não é triste quando a pessoa que você mais ama e respeita é violento com você?

    — O que quer dizer?

    — Eu nasci de uma ninhada de cinco filhotes. Meus quatro irmãos são Eevees normais. Meus pais? Uma Flareon e um Jolteon – ela olhou para o Houndoom que prestava a atenção na linha de raciocínio. – Apesar dos outros me olharem com certo desprezo, meus irmãos e pais não pareciam ligar. Mas chegou uma época que até eles começaram a me desprezar, com exceção da minha mãe.

    Baal percebeu certo carinho na voz em que a jovem Eevee citava a mãe.

    — Um dia eu revidei contra um filhote do bando. Ele estava me importunando – explicou. – Me pai tentou me agredir, mas minha mãe me protegeu. Então, ele me chamou de aberração.

    O Pokémon de fogo olhou para a companheira.

    — E você revidou nele também?

    — Não.

    — Quantas vezes na sua vida você fugiu? – questionou o Houndoom. – Você cresceu no meio selvagem, não num apartamento sendo lotada de laços fofinhos. Se alguém te provoca, ataque. Se não desistem tão fácil, mate-os.

    Mercuria esticou seu corpo, irritada.

    — Eu não mataria ninguém!

    — Claro que não, você é fraca.

    — Não sou! Sobrevivi até hoje sozinha! – berrou a criatura.

    — Foi golpe de sorte... – debochou o cão, olhando como pelos da cinzenta se eriçavam cada vez mais.

    — Não estava lá pra saber!

    Baal aproximou o rosto da jaula da criatura e sorriu.

    — Aberrações como você só sobrevivem com pura sorte.

    — MALDITO!

    A Eevee avançou contra o Houndoom, usando seu corpo para bater contra as grades de sua jaula, em completo em estado de fúria. O outro observou satisfeito aquilo, mas entrou no clima, começando a latir de volta para ela, com seus afiados dentes amostra, mostrando toda a raiva de sua espécie. Mercuria observou um pouco assustada aquele latido praticamente ensurdecedor, seu corpo pensou em se encolher, mas se surpreendeu quando sua reação foi encarar seu adversário e grunhir de volta, talvez não tão intimidador, mas cheio de raiva.

    E quanto mais alto o cão latia, mais alto a Pokémon manchada grunhia. Sentia seu corpo queimar, mas de forma positiva, como se um espírito há muito tempo adormecido acordasse revigorado. Mercuria então olhou para Baal, ofegante, que por sua vez, usou seu focinho para atravessar duas barras do objeto que prendia a criatura e a lamber de leve.

    — Ouch, isso queima – resmungou a Eevee, recuando.

    — Desvantagem de ser um tipo fogo – riu. – Mas pense nessa queimação como um batismo. Baal abençoou você com o espírito do ódio e da vingança. Use com cautela.

    A Pokémon observou com estranheza.

    — Isso é sério?

    — É apenas simbolismo – ele deu de ombros. – É só pra você entender que nunca mais deve se curvar.

    Mercuria sorriu.

    — Se te provocam, ataque. Se insistem, mate-os – repetiu ela, como se tudo finalmente fizesse sentindo.

    — Você tem muito a aprender. Até porque, parece que você não sairá daqui tão cedo e eu estou ficando entediado.


     

    Mas parecia que a estadia de Mercuria estava com os dias contados após tanto tempo. A verdade é que Mark, após dar mais alguns meses de insistências e tentar vender a Eevee shiny manchada, percebeu que a maldita criatura estava se tornando um enorme prejuízo e que seu pote de ouro nunca chegaria.

    De forma violenta, apagou seu cigarro no cinzeiro e resmungou, com raiva. Em seu quarto, junto a Baal, começou a refletir na sentença que daria para Mercuria, deveria simplesmente soltá-la, ou preparar um destino mais cruel ainda?

    Caçou na gaveta de sua cômoda uma arma, brilhava como prata, sinal de bom cuidado, mas essa não carregava simples soníferos, o efeito desta era mais mortal e sangrento. Baal pressentiu o perigo e se alarmou, sabia que sua jovem aprendiz corria perigo.

    Mark se levantou e colocou a coleira em seu Houndoom. Estava tarde da noite, o homem guardou a pistola em seu bolso e sorriu de uma forma estranha. Seu Pokémon olhou para algumas garrafas de cerveja e uma de saquê de alto custo indicavam que seu mestre estava fora de si, sabendo disso, ele tentou alertar com alguns latidos.

    — CALA A BOCA, BAAL! – berrou o homem.

    Até mesmo a mãe natureza parecia querer impedir aquela loucura mandando uma chuva torrencial, mas que não foi capaz de impedir de Mark em seguir seu plano. Vestindo um sobretudo, ele caminhou pelas ruas em direção ao prédio que servia de abrigo para os Pokémon que vendia, com Baal praticamente sendo arrastado. Talvez, pela primeira vez, o cão temesse o pior para a vida da jovem Eevee.

    Mercuria ouviu o som alto do metal da porta abrindo e se assustou, despertando do seu sono, coisa que foi seguida pelas demais criaturas, que sentiram a espinha gelar quando Mark entrou com passadas largas em direção de sua vítima. Confusa, ela não recuou, apenas se aproximou mais das grades, querendo entender o que trazia ele tão tarde da noite naquele estabelecimento.

    — Vem cá, pequena, tenho uma surpresinha pra você – usando uma chave, o homem libertou a criatura de sua jaula e a colocou no chão. A Eevee manchada olhou para Baal, que parecia apreensivo.

    — Baal, o que tá acontecendo? – questionou ela.

    — Garota, lembra do que eu falei sobre não fugir? – disse o Houndoom com cautela. – Esquece isso, só por hoje. Você precisa fugir.

    — Eu não vou fugir mais, Baal – retrucou, determinada. Mas ao virar o rosto, notou que Mark mirava uma arma engatilhada contra ela e não pode deixar de esconder o medo.

    — Mercuria, essa arma é mais perigosa, você precisa fugir.

    — Porque ele vai me matar?

    — Eu não sei. Só fuja.

    O dedo no gatilho tremeu levemente, mas o Houndoom não deixou que seu mestre avançasse mais que isso e disparou em ataque, usando suas presas para morder o braço que segurava a pistola. Como um lobo faminto, o Pokémon não soltaria tão cedo Mark, mesmo que ele implorasse para parar.

    Mercuria seguiu as recomendações de seu companheiro e correu para fora do local, usando a porta de metal aberta pelo humano. Não se importou com a chuva molhando seu pelo cinzento e apenas continuou a correr sem rumo, parando só alguns metros depois para ver se Baal a seguiria. Era possível ouvir os latidos e grunhidos do Pokémon enquanto Mark gritava de dor.

    De repente, três tiros. E não se ouviu mais o Houndoom.

    A Eevee engoliu seco e sentiu sua vista embaçar com as lágrimas que se misturaram com as gotas de chuva. Apesar de ter adquirido maturidade nesse tempo, era a segunda vez que fugia sem sequer dar uma despedida. Sozinha de novo, ela deveria continuar a sobreviver ou simplesmente desistir de tudo?

    De cabeça baixa, ela adentrou uma floresta local e encontrou um pequeno lago e deitou em sua borda, observando seu reflexo distorcido. Pensou em mil coisas, mas sua mente parecia lhe implorar para que entrasse naquele espelho natural e se tornasse um com ele.

    Água era um elemento profundo. Seu fundo era desconhecido, porém fascinante, quem quer que entrasse nele, poderia descobrir algo incrível ou poderia morrer afogado. Mercuria se jogou, não imaginava que um lago bobo daquele poderia ser tão fundo, agitou suas patas para tentar nadar, mas aos poucos se entregou. Pensou em Baal, pensou na sua mãe e no mais importante, pensou em seus irmãos e seu pai.

    Não poderia parar ali, era hora de acertar as contas.

    Um brilho a cobriu, suas patas esticaram, sua cauda peluda se transformou. Já não era mais cinza, agora, roseada e ainda manchada, mas isso já não a incomodava mais. Seu novo tipo, Water, fazia com que se sentisse bem dentro do lago, nadou por alguns minutos antes de sair de dentro dele, completamente renovada. Não era mais uma Eevee, agora era uma Vaporeon.

    E estava sedenta por sangue.


     

    Encontrou seu rumo quando reconheceu de longe, após horas de caminhada, a cidade de Ecruteak. Com o instinto aguçado, sabia que seu antigo bando ainda vivia pela região, então resolveu investigar. A chuva se intensificava cada vez mais e alguns relâmpagos e raios pintavam e rasgavam o céu.

    Após adentrar a floresta, encontrou uma campina que era tão assustadora quanto uma casa mal-assombrada, não havia lugares para se esconder e o céu escuro colaborava para criar um verdadeiro cenário de terror. Mercuria sentou-se ao pressentir algo se aproximando, eram pelo menos cinco criaturas quadrupedes, e conhecendo aquelas passadas, sabia exatamente quem eram.

    Os cinco Jolteons finalmente deram as caras, eriçados com a presença de alguém diferente na área em que seu bando estava. Eles logo rodearam a Vaporeon que continua a observar eles com calma, reconhecendo o mais velho, e por consequência, o líder deles.

    — Muito corajoso da sua parte aparecer em nosso território. Onde está seu bando? – questionou o mais experiente, dando um passo à frente.

    — Eu trabalho sozinha – respondeu, olhando fixamente nele.

    — Se veio nos atacar, acho melhor desistir. Está em desvantagem.

    — Eu não vim atacá-los, isso seria muito cruel da minha parte – debochou Mercuria. – Eu prefiro que morram logo, assim não passam tanto tempo agonizando.

    — Não está em posição de nos ameaçar!

    — Eu faço o que eu quero, P-A-P-A-I.

    O Jolteon recuou um pouco, incrédulo.

    — Mercuria?

    A Vaporeon começou a rir, sentindo seu corpo esquentar, como se uma aura negativa a rondasse. Era a benção de Baal tomando forma, e agora era a hora de utilizar com sabedora.

    — A aberração conseguiu sobreviver. É uma pena que você não vá conseguir!

    A investida inicial da criatura manchada foi o estopim para o início daquela batalha injusta. Mas aparentemente, Mercuria estava com o domínio da situação, usando golpes aquáticos para afastar os Jolteons enquanto atacava o líder com mordidas.

    Apesar da vantagem de quantidade, tipo e dos golpes que recebia, a Vaporeon não dava sinais de cansaço e nem de que iria se render. Seus irmãos estavam tão assustados que podiam jurar ver a aura de Houndoom acima da irmã quando os raios atingiam o solo. Qual era o poder daquela criatura?

    Mercuria conseguiu a silenciar todos quando suas presas agarraram uma veia vital no pescoço de seu pai e ele se agitar em tentativa de respirar enquanto o sangue enchia-lhe a garganta e aos poucos, começasse a perder os sentidos. Nessa hora, ele olhou para sua cria como se implorasse perdão, mas em resposta, recebeu uma pisada em seu pescoço.

    — Nem no inferno eu te perdoaria – respondeu, sussurrando, com os dentes rangidos de ódio.

    E assim, o coração do Jolteon sua última batida.

    Os outros quatro encaravam a irmã com raiva. Um ataque em grupo foi ordenado, e mesmo ferida, Mercuria conseguia dar conta. Uma adrenalina parecia comandar seus passos e ela não se importava com dores ou com o sangue que derrubava. Um a um, ela finalizou seus adversários, não deixando uma alma viva para contar história, apenas sangue escorrendo pela campina como se fosse tinta.

    Seu corpo cedeu um pouco e ela percebeu que a chuva começou a cessar, como se até os deuses lá de cima estivessem anunciando que era o fim. Ofegante, ela começou a lamber suas patas feridas, um pouco enojada com o gosto do sangue misturado.

    Uma outra figura apareceu com passadas leves. Mercuria gelou pois não queria que justo ela visse aquilo.

    — Filha? – questionou a Flareon, chocada com o ambiente. – Você é minha Mercuria?

    Sensibilizada, porém fria, a Vaporeon levantou-se, pronta para fugir por uma última vez.

    — Sua Mercuria está morta, mamãe. Siga em frente.

    E ela sumiu noite afora. Para longe da floresta, de volta à cidade.

    Até o momento que seu corpo cedeu de vez e sua visão só via vultos agitados que ela mal sabia interpretar.

    Sua última visão antes de desmaiar, foi a de um garoto de boné vermelho e jaqueta azul.

     

       

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    1. Um capítulo diferente de tudo que você já escreveu! E é incrível ver como você abordou diferentes temáticas, até uma escrita mais densa e repleta de momentos violentos. É uma quebra de expectativa dos momentos tranquilos em Johto para lembrar que o Mundo Pokémon também está repleto de pessoas ruins, inclusive a própria natureza tende a ser diferente com todos filhotes incapazes de acompanhar seu percurso.

      Eu gostei da forma como você mostrou essa caçada aos Pokémon Shiny e de toda a trajetória da Mercúria até se tornar quem ela é hoje. Isso te permite explorar uma personagem mais evoluída nos episódios da penção logo de cara, sem precisar desenvolvê-la em torno de toda a fanfic. Tem muito potencial! O Baal foi uma figura sinistra que deu uma bela profunidade ao enredo, e tenho certeza que suas lições servirão como molde.

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      1. Yoo Canas

        O capítulo que eu simplesmente falei : Quero escrever sobre tema X haushuahusahu Eu realmente quero ao máximo testar as coisas em NPU para projetos futuros, a vantagem de fanfics é que você pode ter uma liberdade de vários temas e ver a reação imediata das pessoas :3

        Eu juro que conheci Bohemian Rhapsody só para esse capítulo. Eu já conhecia de ouvido, mas nunca tinha ouvido ENTÃO ME JULGUEM AHUSAHUSHUAHUSHU Mas foi divertido! E foi legal ouvir seus conselhos e pensamentos sobre os shinies e como trabalhar com eles pode ser um tiro no pé. No final, acho que o trabalho resultou uma boa história de uma Vaporeon manchada e shiny.

        EU AMO O BAAL, É UM DOS MEUS FAVORITOS ATÉ AGR <3

        Obrigada pelo comentário, Canas <3

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    2. Eae Star

      Uma eevee shiny, mas ainda por cima com algum problema de pele/pelo. Suponho que seja o equivalente ao vetiligo (Não sei se é esse o nome) para humanos.

      Parafraseando o Azaghal do Nerd Cast: "A natureza é uma droga", e nossa protagonista come o pão que o Giratina amassou.
      Acaba que um dos melhores períodos de sua vida foi quando estava mantida em cativeiro, olha que merda.

      Pera, Baal não era o nome do Pokémon da mesma raça do Luke de AeS? Bem, de qualquer jeito, não acho que ele está morto. Sem corpo = sem morte.

      E no final a Eevee evolui para Vaporeon. Imagino que você trabalhe com a evolução por pedras de uma forma diferente, então.

      1 Vaporeon VS 5 Jolteon.
      E a Vaporeon ganha. Não posso mentir que não achei forçado. Apesar de que ela tem essa "marca" que o Baal deu para ela. Fica a questão se é um gatilho mental ou realmente tem algo meio místico envolvido.

      O aviso no início realmente se provou verdade e foi um cap bem pesado, mas muitissimo interessante.

      Até mais, Star!!!

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      1. Yoo Alefu

        Mercuria is here, que bom que vc chegou até aqui para conhecê-la <3 E sim, Mercuria é uma Vaporeon shiny com vitiligo

        É muito bizarra essa sua análise de que o melhor período da vida da coitada foi num cativeiro, pra tu ver a tristeza dessa porra kkkk

        O nome do Houndoom do Canas é Beliel, mas tanto o nome dele quanto o nome de Baal são de demônios. Infelizmente o Baal está morto, o Leucro reforça isso em NPJ :(

        Eu acho que na natureza não tem uma Water Stone perdida, essa evolução da Mercuria é uma indireta leve para o suicídio, onde, no fundo do poço, ela se fortalece e decidir mudar seu destino.

        Realmente a Vaporeon tem um level a mais, essa marca do Baal é como se ele tivesse deixado o espirito dele nela, é quase como um Hilbert no modo berserk, espero que eu possa mostrar mais desse lado dela.

        Obrigada pelo comentário, Alefu

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    3. Mais um cap lido e aos poucos vou me atualizando. Não esperava que o capítulo inteiro fosse focado na Mercúria, mas até que foi interessante para conhecermos um pouco mais da pokémon. E eu particularmente gosto dessas viradas de ponto de vista entre um capítulo e outro.
      A partir de agora vamos todos pregar a palavra de Mercúria e seu ódio contra as eeveelutions. Como dizem por aí, ela só mordeu na garganta, quem matou foi Arceus.
      Brincadeiras a parte, acho que finalmente temos um pokémon que entraria como "anti-heroi" na equipe, pois apesar de eu entender os sentimentos que você quis transmitir, não dá pra discordar que a reação foi um pouco desproporcional. Por isso quero ver como ela entrará no grupo de agora em diante.
      O capítulo ficou muito bom!
      Até a próxima!

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